Projetado para servir ao público, o então restaurante Dancing, a Casa do Baile, como se tornou conhecido, ou somente “Baile”,1 teve sua inauguração anunciada antes mesmo que os demais edifícios do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Lagoa da Pampulha fossem concluídos. Em 29 de novembro de 1942, o espaço equipado com restaurante, especializado em culinária mineira,2 e salão de dança, foi inaugurado com um almoço especial oferecido pelo Sr. João Boschi, então arrendatário do restaurante, à imprensa, figuras de destaque na cidade e autoridades políticas, como o prefeito Juscelino Kubitschek.
A inauguração foi anunciada com grande entusiasmo pela imprensa mineira, como mostra matéria publicada no dia 1° de dezembro de 1942, no jornal “Estado de Minas”, que não economizou elogios à Casa do Baile: “O magnífico restaurante-dansante (sic) que a administração Juscelino Kubitschek realizou na Pampulha, constituirá, daqui por diante, o ponto de preferência para as reuniões populares daqueles que procuram afastar-se um pouco das atividades da vida urbana. As instalações do ‘Baile’ são modernas e completas, permitindo conforto e momentos agradáveis aos seus freqüentadores, principalmente pela localização do edifício. O edifício (...) oferece conjunto de atração e beleza, despertando, por isso mesmo, a atenção geral”.3
Ponte que liga a ilha da Casa do Baile à orla da Lagoa da Pampulha
Foto: Ricardo Avelar
A Casa do Baile realmente chamava a atenção. A beleza da construção e as novidades arquitetônicas em seu desenho pareciam diferentes de qualquer edifício erguido em Belo Horizonte. Construída sobre uma ilha artificial ligada à orla por uma pequena ponte de concreto, o Baile era composto por um salão em forma de círculo. Sua forma excluía a existência de possíveis quinas, o que concedia mais liberdade aos dançarinos que bailavam ao som da orquestra.
Fora do salão, a arquitetura do Baile surpreendia com suas marquises que acompanham as curvas da ilha, como que se dela fizessem parte. Êxito de Oscar Niemeyer, que buscou conceder ao concreto o poder de ofertar aos observadores da Casa do Baile, tal sensação: "Fiz a marquise da Casa do Baile em curva, que às vezes explicava, dizendo para melhor me fazer entendido, que elas seguiam as curvas da ilha, mas na verdade era o elemento plástico que me interessava".4
Sob as marquises, mesas e cadeiras eram dispostas para receber os frequentadores. Naquele espaço eles podiam visualizar além da beleza da Lagoa da Pampulha, os jardins de Burle Marx e o pequeno lago interno. Mas, ao contrário do pretendido, esses frequentadores não eram populares. Os convites para os shows da Casa do Baile eram distribuídos às “pessoas ilustres da sociedade e da política”,5 e os custos para frequentar o Baile, por si só selecionavam o público.
Foto: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte - APCBH/Assessoria de Comunicação do Município
Em seus tempos áureos, de 1942 a 1946, entre os clientes da Casa do Baile estavam os músicos do Cassino, que após se apresentarem “atravessavam a lagoa, de barco, para dançar o restante da noite”.6 Tal vínculo entre o Cassino e o Baile viria mostrar sua importância em 1946, quando o General Eurico Gaspar Dutra decretou a lei em proibição à prática ou a exploração de jogos de azar em todo o território nacional.
O Baile costumava receber parte dos frequentadores do Cassino, “o próprio J.K. após a hora do jogo, no Cassino, levava muitas pessoas com ele para se divertirem na Casa do Baile”. 7
Publicidade da Casa do Baile veiculada na edição de novembro de 1942 da Revista Alterosa, p. 57.
Texto: No jantar-dansante das 8h. Glória Thomas, a voz mais bonita do Brasil, atração maxima da presente temporada da Pampulha.
Sem a casa de jogos como atrativo, aos poucos o Baile também foi perdendo seu público. Mas mesmo enfrentando dificuldades, o espaço permaneceu ativo até 1948, oferecendo seus “jantares dançantes e apresentações de shows esparsos".8 Nesse ano foi encerrado o contrato de locação da família Bochi, que não foi renovado. Com isso, a Casa do Baile ficou desocupada até 1950, quando foi reaberta como sede do Club de Regatas da Pampulha; que permaneceu no local somente até 1951. Período em que prefeitura recebeu muitas críticas, devido à utilização inadequada do espaço, então sob sua administração. Com o encerramento do contrato com o Club de Regatas, até 1954, ano do rompimento da barragem da Pampulha, o local passou a ser alugado para eventos particulares como baile de debutantes.
Entre 1958 e 1962, sem uma destinação oficial, tentou-se até mesmo arrendar e leiloar a Casa do Baile. Iniciativas que não tiveram sucesso por falta de interessados. A salvação do Baile parecia surgir em 1964 quando o prefeito Jorge Carone Filho sancionou a “Lei n° 1.114, que autorizava o Executivo Municipal, por intermédio do Departamento de Bondes e ônibus, a construir uma linha de bondes que percorria a avenida que margeia a Lagoa da Pampulha”.9 Segundo o texto, seria “construída na entrada do Jardim Zoológico uma gare, (...) uma espécie de estação central, para confôrto dos passageiros".10 E ainda, “pequenas estações em frente aos seguintes locais: Igreja da Pampulha, Iate Golfe Clube, Casa do Baile, Cassino da Pampulha e Pampulha Iate Clube".11 O bonde poderia trazer consigo novos frequentadores para a Casa do Baile. No entanto, apesar de sancionada, a Lei não foi colocada em prática.
Em 1971, em concorrência pública, a Casa do Baile foi arrendada pela única empresa participante, a Mangueira’s Diversões Ltda. Mas em dois meses, devido às possíveis irregularidades na concorrência, a concessão foi revogada. Situação que não perdurou por muito tempo, já que ainda em 1971, a empresa conseguiu locar o espaço novamente, instalando um restaurante dançante.12 Com o término do contrato em 1976, a Casa ficou sem locador, fato que unido ao descaso da prefeitura resultou na ocupação do lugar por moradores de rua.
Nesse período, a construção se encontrava com diversos aspectos de sua infraestrutura danificados. Além dos vidros quebrados, estavam destruídos os revestimentos, os aparelhos sanitários, as instalações hidráulicas e elétricas, o mobiliário, entre outros. Apesar dessa situação, a reforma necessária às instalações da Casa do Baile só teve início em 1983.
Casa do baile na década de 1980
Após a reforma, a ideia era fazer com que o espaço voltasse a exercer sua função original: restaurante dançante. Mas a proposta não agradou a todos. À época, o arquiteto e museógrafo francês Pierre Catel, realizou estudos com o anseio de transformar a Casa do Baile em um “Pequeno Museu Redondo”. O projeto foi concluído em 1984, mas não pôde ser implantado, uma vez que naquele período a Casa do Baile passava pelo processo de tombamento implementado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA).
As obras de restauração iniciadas em 1983 recuperaram o paisagismo e concederam ao espaço novas instalações elétricas, hidráulicas, e sistema de segurança.13 Com o espaço renovado, em 1986, sua administração foi transferida da prefeitura para a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. Ao ser reaberta, naquele ano, a Casa do Baile não voltara a ser restaurante, o espaço passou a ser utilizado como anexo do Museu de Arte da Pampulha.
No entanto, logo sua função seria questionada novamente, e, dessa vez, por àquele que havia projetado a Casa do Baile com base em seu propósito original: servir de espaço de diversão para os populares. Em 1989, Niemeyer, em visita à Casa do Baile, criticou aspectos das obras de restauração e sugeriu ao prefeito Pimenta da Veiga, que transformasse a Casa do Baile “num lugar simples, de acesso à população, sem espelhos e os vidros que foram colocados há pouco tempo (...)Não combina com o espírito da Casa do Baile estes espelhos suntuosos. Ele contrasta (sic) com a singeleza local. Aqui deve servir de lazer para o homem comum”.14
Embora persuasiva, a sugestão de Niemeyer não foi atendida, de modo que em 1990 o espaço voltou a ser utilizado como restaurante, ao ser ocupado pela Delikatessen Alpino. Mais tarde, sob a administração da mesma empresa, o restaurante se tornou pizzaria. Em 1996, com o término do contrato, a empresa deixou o imóvel após fazer diversas intervenções.
Em 1997, a Casa do Baile também foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e o MAP novamente passou a fazer uso do espaço, promovendo sua reabertura com a exposição o “Eterno retorno da Pampulha”. Esse movimento parecia sinalizar mudanças na forma como as autoridades públicas enxergavam a Casa do Baile.
No ano de 1998, com o lançamento da exposição “Oscar Niemeyer – A Arquitetura e a Vida”, finalmente a Casa do Baile recebeu uma função oficial que viria a preservá-la como patrimônio histórico e cultural. O lugar se tornou Espaço Cultural Casa do Baile, destinado a tratar dos temas relacionados à Arquitetura, Urbanismo e Design.15
Para servir como espaço cultual, a Casa do Baile teve que passar por novas intervenções. Dessa vez o trabalho foi acompanhado por seu projetista original. Em 1999 foram iniciadas as obras da reforma de recuperação do desenho original interno, sob a orientação de Oscar Niemeyer, que, ao lado dos arquitetos Álvaro Hardy e Mariza Machado Coelho, adaptaram o prédio para receber exposições, ao reduzir o salão principal e criar um auditório com 53 lugares.
Salão da Casa do Baile. À direta, o auditório construído após a reforma iniciada em 1999.
Foto: Ricardo Avelar
Em 2002, o espaço foi reaberto funcionando oficialmente como Centro de Referência em Urbanismo e Arquitetura e Design, com a função de “organizar, documentar e valorizar tanto os espaços construídos e simbólicos da cidade quanto objetos que se tornaram referência na vida cotidiana da sociedade. Além de proporcionar o acesso democrático às informações relativas ao urbanismo, à arquitetura e ao design, importantes para a valorização destas áreas de Belo Horizonte.”16
No ano seguinte a sua reabertura, Niemeyer voltou à Casa do Baile. Durante a visita deixou alguns de seus desenhos e reflexões registrados em um painel em branco que fecha o auditório. A frase: “Pampulha foi o início de Brasília. Os mesmo problemas, a mesma correria, o mesmo entusiasmo. E seu êxito fluiu, com certeza, na determinação com que JK construía Nova Capital”, e “Todos contra Bush”,17 são alguns dos dizeres registrados pelo arquiteto. Nesse mesmo ano o espaço ainda foi tombado pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município/CDPCM-BH.
Atividades
Como Centro de Referência em Urbanismo e Arquitetura e Design, além das exposições sobre temas, imagens e dados da região da Pampulha, a administração do Centro adota ações voltadas à realização de atividades culturais como exibição de filmes, em sessões especiais do projeto “Filme no Baile”, e o Ação Educativa, baseado em atividades educacionais integradas ao espaço da Casa do Baile e às exposições.18
O Centro também é utilizado para a realização de seminários, lançamentos de publicações, shows e demais apresentações artísticas. A entrada na Casa do Baile é gratuita, e para grupos escolares e pessoas com deficiência visual, são oferecidas visitas guiadas com agendamento prévio.
Roteiros Arquitetônicos da Pampulha
Em abril de 2012, por meio de convênio firmado entre a Fundação Municipal de Cultura e a Associação dos Amigos do Museu de Arte da Pampulha, a Casa do Baile lançou a série: Roteiros Arquitetônicos da Pampulha, que apresenta opções de roteiros para se conhecer a região por meio das edificações que a tornam símbolo de beleza e inovação arquitetônica de Belo Horizonte.
A série é composta por quatro folders, nos quais são expostos informações sobre cada lugar, por meio de imagens feitas por fotógrafos lambe-lambes da cidade, acompanhadas de descrições das construções, elaboradas por arquitetos convidados.
Folder Pampulha 1, dos Roteiros Arquitetônicos da Pampulha
No primeiro folder há informações sobre a Casa do Baile, o Museu de Arte da Pampulha (MAP), o Iate Tênis Clube, a Igreja São Francisco de Assis e da Casa Kubitschek. O segundo apresenta o Mineirão, o Mineirinho, a Reitoria da UFMG, a Unidade Administrativa II da UFMG e o edifício-sede da Usiminas. O terceiro, à sede da Fundação Zoobotânica, o Parque Ecológico Promotor Francisco Lins do Rego e o Memorial da Imigração Japonesa no Brasil. O quarto folder, que encerra a série, é dedicado às residências modernistas no Bairro São Luís.