As obras de reconstrução da lagoa da Pampulha após sua ruptura só foram concluídas no ano de 1958. Os gastos excederam o orçamento municipal de modo que, para a realização das obras, foi necessária a utilização de recursos estaduais e federais.1
O histórico de adversidades ocorridas na lagoa fez com sua imagem perdesse o brilho de outrora. O rompimento da barragem somado aos boatos de suicídios cometidos no local, à infestação de caramujos, ao fechamento do Cassino, em 1946, além da resistência do bispo dom Cabral em conceder a benção à igreja de São Francisco de Assis, porque, segundo ele: “a igreja (não) é lugar para experiências materialistas, embora artísticas”2 , pareciam validar causos contados sobre uma cartomante que teria previsto a queda da Pampulha ou mesmo da coruja que teria lançado uma maldição em defesa daqueles que foram desalojados.3
Contudo os bons ventos não tardariam a voltar. Contribuindo para a restauração não somente do espaço físico, mas, também, da imagem da Pampulha como centro de lazer e diversão, em abril de 1959, após 16 anos da sua inauguração, a Igreja de São Francisco de Assis foi consagrada. Nesse mesmo ano novas construções começaram a modificar o cenário da Pampulha; como o Jardim Zoológico de Belo Horizonte, inaugurado naquele ano. Construído no terreno destinado ao campo de golfe do Iate Golfe Clube4, o espaço foi edificado sob expectativas positivas por parte do então prefeito Américo René Giannetti, que narrou em um dos relatórios da sua gestão, em 1953, o andamento das obras do zoológico: “O Jardim Zoológico de Belo Horizonte, por certo será, no gênero, dos mais amplos e atraentes logradouros do país. Com sua construção já em franco progresso, idealizadas suas obras segundo a melhor técnica para exposição da fauna, constituirá o Zoo belorizontino motivo de orgulho e satisfação para Minas e para a Cidade, que ali terá o seu mais interessante ponto de recreio e turismo.
Na entrada do Jardim Zoológico, está sendo construída uma ampla praça com área de 10.000 metros quadrados, de onde partem diversas alamêdas para o recinto do logradouro, e, principalmente, extensa avenida de 1.580 metros de acesso à sede do Zoo – já aberta e em fase de calçamento (...). Essa avenida de acesso, compõe-se de duas pistas com 6 metros cada uma, separadas com canteiros de 2 metros, gramados e arborizados na extensão de um quilômetro. (...) Foram construídos dois lagos interligados, o primeiro com área de 250 metros quadrados e 0,60 metros de profundidade, em alvenaria de tijolo, areia e cimento, fundo de concreto pobre, com capacidade para armazenar 150.000 litros de água, elevada pelo sistema de bomba; o segundo lago, dependente daquele, situa-se no recinto destinado às capivaras, antas e outros animais”.5
O Jardim Zoológico proporcionava opções de lazer mais acessíveis às famílias de baixa renda na região da Pampulha, já que as atividades oferecidas no complexo arquitetônico da Lagoa da Pampulha se voltavam às famílias abastadas que, à época, tinham como um de seus principais pontos de encontro o Iate Golfe Clube.
Em 1960 a prefeitura decidiu passar a administração do Clube para a iniciativa privada. A notícia não foi recebida de forma positiva por seus membros. Resistentes à decisão devido ao receio de que, com a troca de gestão, o espaço passasse a ser frequentado por pessoas “socialmente menos qualificadas”, argumentaram contra a venda. No entanto, mesmo diante das investidas, a troca de gestão foi realizada.
Frente à mudança, alguns dos membros do Iate Golfe Clube decidiram deixar de serem sócios para fundar o Pampulha Iate Clube (PIC). No novo espaço, esses membros intencionavam preservar a integridade do grupo, ou seja, impedir que o clube aceitasse membros fora dos patamares antes referência no Iate Golfe Clube. Após o desmembramento de um dos clubes mais tradicionais da cidade, outros foram fundados, como o Clube Libanês e o Clube Belo Horizonte.6
Os clubes sociais da Pampulha eram responsáveis pela organização e promoção de bailes temáticos e eventos esportivos náuticos na lagoa, as atrações enfeitavam o cenário da região com o glamour e o brilho característicos da Pampulha.
No ano de 1962, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) teve seu primeiro prédio inaugurado, a reitoria, no campus destinado a ela. Em fevereiro de 1960, por meio de um convênio entre o Ministério da Educação e o Governo de Minas, foi cedido parte do terreno da Cidade Universitária em regime de comodato por prazo indeterminado7 para a construção do ‘Estádio Minas Gerais’, que mais tarde recebeu o nome de “Estádio Governador Magalhães Pinto”, mas se tornou popularmente conhecido como “Mineirão”.
As obras do estádio tiveram início em 1963 e para cobrir os gastos da construção, antes mesmo que fosse concluído, foram vendidas 3.000 cadeiras cativas pelo valor de “CR$ 500.000,00 à vista, ou RC$ 850.000,00 à prestação”8. Em 7 de agosto de 1965, o jornal Estado de Minas publicou matéria indicando em seu título o valor que teria sido direcionado à construção do estádio: “Prefeito autorizou obras para o ‘Estádio’: 30 milhões” .9
Um mês após a publicação da matéria, em 5 de setembro de 1965, foi realizada a partida de inauguração do estádio, protagonizada pela Seleção Mineira e pelo River Plate, da Argentina. Na ocasião, a equipe mineira saiu vitoriosa com o placar de 1x0.10
Quando do início das obras do Mineirão, os bondes estavam perdendo espaço para o transporte feito por meio do trólebus e pelo auto-ônibus. Apesar disso, em 1964 era planejada a construção de uma linha de bondes denominada “Recordação”, no entorno da lagoa da Pampulha, como dispõe o texto da Lei 1114 de 2 de julho de 1964, sancionada pelo prefeito Jorge Corone Filho11: “Fica o Executivo Municipal autorizado a, por intermédio do Departamento de Bondes e ônibus, construir uma linha de bondes que percorrerá a Avenida que margeia o lagoa da Pampulha.” 12
Segundo o texto, seria “construída na entrada do Jardim Zoológico uma gare, (...) uma espécie de estação central, para confôrto dos passageiros".13 E ainda, “pequenas estações em frente aos seguintes locais: Igreja da Pampulha, Iate Golfe Clube, Casa do Baile, Cassino da Pampulha e Pampulha Iate Clube". 14
Em fins da década de 1960 podia-se perceber na Pampulha e nos seus arredores uma crescente expansão populacional. A partir da década de 1970 estudos apontam uma tendência de deslocamento acentuado, que resultou no “crescimento demográfico para as Regiões da parte norte de BH: Venda Nova, Pampulha, Norte e Nordeste.” 15 O Censo demográfico de 1970 indica que, à época, a população da Regional Pampulha era de 38.942, na década seguinte esse número havia dobrado, chegando a 80.284.16
Assim, com as melhorias em infraestrutura, instalação de equipamentos públicos, acompanhados do crescimento populacional verificados de forma mais expressiva na década de 1970 em diante, a Pampulha começou a enfrentar novos problemas ao mesmo tempo em que se agravavam outros antigos. As ocupações nas proximidades da Lagoa da Pampulha, e da região de Contagem no sentido de Belo Horizonte, tornaram o espaço antes utilizado por banhistas, pescadores e para a prática de esportes náuticos, em destino de dejetos industriais e domésticos. Mas o problema parecia resultar de outro anterior.
“[...] O comprometimento de bacias hidrográficas tem-se constituído em um dos principais impactos da metropolização de Belo Horizonte. [...] desde seu início, a capital não dispunha de um sistema de tratamento de esgotos. A industrialização e o crescimento populacional apenas agravaram as condições dos sistemas de esgotamento da cidade e da sua região urbana. A Bacia do Arrudas, cujas nascentes estão no município de Contagem, está hoje totalmente comprometida, assim como a Bacia do Onça/Pampulha. As duas bacias, contribuintes do Rio das Velhas, recebem os esgotos domésticos e industriais in natura, constituindo alguns dos maiores poluidores do Rio das Velhas e posteriormente, da Bacia do São Francisco. (Marques e Monte-Mór, 1994:86)”17
O reservatório, outrora criado para a bastecer a cidade já não mais exercia esse papel, do mesmo modo não apresentava mais condições de servir como espaço de lazer à população. “A sua função como reservatório para o abastecimento de água (começou) ser questionada já na década de 60, momento em que a população de Belo Horizonte ainda sofria com a falta d’água (FJP, 1997:180). No entanto, em 1967 (foi) inaugurada uma obra de ampliação da estação de tratamento de água (...). Em 1976 as novas instalações [do Sistema Pampulha] entram em operação e, pouco depois, em 1980, (foram) abandonadas, indicando o desperdício de dinheiro público apresentado por tal investimento. (FJP, 1997:201)”18
Até princípios da década de 1970, o controle operacional da barragem ficava a cargo do Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE), posteriormente a gestão do reservatório foi transferida para a Companhia Mineira de Águas e Esgotos (COMAG), atual Companhia de Saneamento do Estado de Minas Gerais (COPASA). A partir de então os esgotos da capital foram coletados e jogados in natura nos córregos da cidade e a Lagoa da Pampulha, que se alimenta de vários deles, passou a ser depositária de esgotos de inúmeros bairros.
Apesar de ter havido algumas investidas para a revitalização do reservatório, os problemas relativos à poluição que impregna o espelho d’água da Lagoa da Pampulha marcam a trajetória de um dos mais importantes cartões postais de Minas Gerais e permanecem presentes no cotidiano de todos aqueles que usufruem do espaço e contemplam sua paisagem.
No entanto, enquanto essa parte do cenário da Pampulha era deixada à margem do poder público, que sempre optou por soluções paliativas, a região recebia um novo monumento. Em 1980 foi inaugurado o estádio Jornalista Felipe Drummond, popularmente conhecido como “Mineirinho”. Construído ao lado do “Mineirão”, o ginásio poliesportivo já serviu não somente à realização de eventos esportivos, mas, também, como palco para apresentações musicais. A construção do ginásio teve início em 1973, e somente foi concluída em 1977. Assim como o “Mineirão”, ele está localizado em um terreno cedido em regime de comodato pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) à Administração de Estádios do Estado de Minas Gerais (ADEMG), em 1972.19
No final dos anos 90 e início dos anos 2000 praças no entorno da Lagoa foram revitalizadas, pistas de caminhada e de ciclismo foram viabilizadas em suas margens e o local ganhou mais adeptos desses esportes, principalmente nos finais de semana. Outro centro de lazer criado na Pampulha foi inaugurado em 21 de maio de 2004. O Parque Ecológico Francisco Lins do Rêgo, popularmente conhecido como Parque Ecológico da Pampulha foi construído no terreno constituído a partir do material retirado da Lagoa aterrando um de seus braços onde o prefeito Pimenta da Veiga chegou a fazer um projeto para construir um hotel de luxo. O espaço verde, talvez o mais democrático da cidade em que famílias fazem piquenique nos finais de semana, abriga também o Memorial da Migração Japonesa, criado em homenagem à união dos dois povos. Assim como o Jardim Zoológico, o Parque Ecológico é administrado pela Fundação Zoo Botânica de Belo Horizonte, que tem como missão “contribuir para a construção da natureza realizando ações de educação, pesquisa e lazer, que sensibilizem as pessoas para o respeito à vida.” 20
Além das reivindicações pelo descaso das autoridades públicas sobre a poluição da Lagoa da Pampulha, recentemente houve manifestações contra a construção de edifícios na região. O movimento contra a verticalização da Pampulha foi iniciado após a concessão realizada pela Prefeitura de Belo Horizonte para a construção de dois hotéis voltados a atender à possível demanda gerada pelos jogos da Copa do Mundo de 2014. A construção foi permitida por meio da Lei 9.952, popularmente conhecida como Lei da Copa, e da Lei 9.959, que revisou a Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo de Belo Horizonte, aprovada em 2010, tirando quadras da Área de Diretrizes Especiais (ADE) da Pampulha, que até então vetava a construção de edifícios nos parâmetros propostos.
Questionado sobre a possibilidade da construção de prédios na região, Oscar Niemeyer desabafou: “essa ideia de construir apartamentos à volta da lagoa é tão absurda! Eu acho que o Juscelino e os que trabalharam com ele não mereciam uma ideia tão... Isso vai acabar com a Pampulha. A Pampulha é um lugar de descanso, do povo ir se refrescar um pouco. Isso vai mudar completamente, acho absurdo! A gente tem que dizer a verdade: nunca vi uma burrice tão ativa e tão devastadora, querer fazer essa coisa, acho um absurdo! Na Pampulha deviam ficar as residências em volta da represa, isso é que tinha que ser".21
Em meio às tensões e permanentes mudanças, a Pampulha não perdeu o brilho e a capacidade de encantar seus habitantes e visitantes. Cartão postal de Belo Horizonte, ela guarda em si não somente a própria história e a história da cidade, mas de muitos dos que partilham seu espaço e tem os momentos nela vivenciados, registrados na memória.
Regional Pampulha
Desde 1985 a Pampulha passou a ser identificada não somente como um bairro, mas como regional. Com o objetivo de prestar melhores serviços à população, nas últimas décadas a prefeitura de Belo Horizonte dividiu a cidade em Regiões Administrativas. As primeiras regionais: Barreiro e Centro-Sul, foram identificadas em 1973. As demais regionais: Leste, Nordeste, Norte, Oeste, Venda Nova e Pampulha, somente em 1985, por meio da Lei Municipal 4.158. O bairro Pampulha se localiza na orla da lagoa, enquanto a Regional Pampulha é composta por 57 bairros. 22