Arquitetura
Como parte da fazenda São José, o bairro Jardim Montanhês foi loteado por seus proprietários - a família Alípio de Melo. Parece que o loteamento obedeceu a uma ordem: lotes de 360 m², sendo 12 para a frente e 30 para os fundos, e suas pequenas variações, para fechar os quarteirões. Entretanto, a estrutura do loteamento não seguiu corretamente as normas e, por isso, foram criados becos onde deveriam existir ruas e algumas ruas mais estreitas que outras, sem nenhuma preocupação em deixar espaços públicos, como praças e parques. Também, naquele lugar tão distante e fora do eixo urbano da nova capital mineira, talvez nem mesmo fizesse sentido. Havia córregos, matas, muitos campos de futebol de várzea e, de quebra, o grande espaço público no campo de aviação, o Aeroporto Carlos Prates.
O bairro era tipicamente de operários, desde a sua formação. Cada família projetava a sua própria moradia e a construía, muitas em regime de mutirão, erguidas em sucessivos finais de semana, onde se reuniam os compadres. Os pedreiros assumiam o comando, levantando as paredes, enquanto profissionais de outras vertentes cuidavam das tarefas como serventes de pedreiro, fazendo massa, carregando adobe, tijolo, telhas e servindo aos pedreiros. Os carpinteiros preparavam as estruturas, quando estas existiam, e cuidavam de engradar os telhados. Todo o trabalho era regado a uma boa pinga e à comida farta servida pelas comadres, que eram as mulheres que iriam morar naquela casa. As moradias eram simples como as pessoas. Para construí-las, utilizava-se materiais disponíveis na região. Faziam adobe e, como liga, serviam-se de barro misturado ao capim amassado com os pés. Algumas moradias já eram feitas de tijolo, comprado por ali nas olarias. O piso, muitas vezes, era de chão batido ou de cimento queimado e, o telhado, armado por varas cortadas na região e coberto por telhas francesas ou coloniais. Só mais tarde, nos anos 70, muitos telhados passaram a ser cobertos por telhas de amianto, quando chegaram as lajes, também batidas nos finais de semana e comemoradas com uma boa comida, cerveja e pinga.
As modestas moradias obedeciam a um padrão que misturava o estilo rural trazido pelos primeiros moradores com o incipiente urbanismo da capital. Uma ou outra moradia ostentava alguma coisa que lembrava as casas da classe média urbana da época, adaptada às suas condições financeiras. Isso acontecia porque naquele bairro moravam muitos operários da construção civil, edificadores das casas nos bairros mais nobres. As melhores moradias contavam com quarto de casal, quarto para os filhos e quarto para as filhas, sala, cozinha e, às vezes, copa. Depois da cozinha, vinha um puxadinho quase sempre feito depois, coberto provisoriamente por telhas de alumínio ou latão, onde funcionava a área de serviços. O banheiro, na maioria delas, ficava fora da casa. Na região, não havia água encanada e nem mesmo esgoto. O sistema de captura da água era de cisterna com sarilho, sendo que aqueles com melhor poder aquisitivo e com certo grau de informação construíam cisternas e nelas instalavam bombas para ter água encanada dentro de casa.
Num mesmo terreno, coexistiam a fossa (um buraco de aproximadamente cinco metros de profundidade por 1,80 de diâmetro, para onde eram conduzidos os dejetos da casa) e a cisterna. Falavam muito na possibilidade de contaminação da água, mas ninguém levava a sério tal observação. Nas casas mais simples, a estrutura era diferente. Seus moradores, mais pobres e desinformados, traziam da roça o costume das "privadas", comuns na área rural brasileira. A tal "privada" era edificada nos fundos da casa e, sob ela, a fossa onde os dejetos caíam diretamente. Os mais caprichosos tinham na "privada" o piso de cimento queimado e o vaso construído também de cimento. Os mais descuidados construíam o vaso de caixote com um buraco no centro, o que representava um risco para os usuários, especialmente às crianças, pois, a qualquer descuido, elas poderiam se projetar dentro das fossas e, no Jardim Montanhês, têm-se notícias de mais de uma ocorrência de criança que caiu dentro da fossa.
As moradias eram todas baixas - menos de 2,80m de pé direito - e, à medida que a família ia crescendo, o puxadinho atrás ou ao lado da casa era a solução provisório-definitiva para abrigar o crescimento ou a nova família dos filhos. Até os anos 50, os lotes estavam mais arejados, apenas com uma moradia por lote. Com o passar do tempo, foram perdendo espaço para os puxadinhos. A família cresceu e alguns dos filhos foram ficando e construindo o seu barraco ao lado e, mais recentemente, pós anos 80, até sobre a casa dos pais.
Em muitas casas, havia o fogão a lenha na cozinha e, em algumas, até mesmo um forno fora da casa. A lenha era abundante na região. Bastava invadir as áreas da fazenda da família Melo e colher, apesar de ser proibido e vigiado, umas varas longas - trabalho esse feito pelas mulheres que preparavam os feixes de varas amarradas e as colocavam sobre as rodilhas de pano que protegiam a cabeça. Os fogões movidos a querosene ainda eram novidade: custavam caro e nem todos podiam tê-los, até que a lenha foi ficando escassa, cara e viabilizou o querosene vendido nas vendas de Sr. Luiz, Sr. Abílio, Mata Vacas e Gonçalo.
Eram comuns os alpendres, normalmente pequenos, na frente das casas, de onde as mães controlavam os filhos nas ruas, recebiam as comadres, os vendedores ambulantes, como o Sr. Jacó, que vendia cobertores, e onde os homens recebiam os amigos para tomar uma pinga, jogar baralho e conversar. Os muros ainda não eram comuns como hoje. Cercas de arame separavam as propriedades e, nas casas mais simples, nem mesmo cercas havia. As paredes das casas eram pintadas utilizando cal virgem misturada a corantes, como pó xadrez, e também o sal para ajudar a fixá-la. Esse processo era conhecido por "caiação". As portas eram quase todas de madeira de lei, entre elas peroba rosa, e algumas casas tinham até piso taqueado. A maioria desse material mais nobre era de segunda mão, comprado ou doado em pagamento por serviços executados nas moradias que estavam sendo reformadas nas áreas nobres da capital, onde muitos dos moradores do Jardim Montanhês trabalhavam.
Ao lado das casas, quase sempre havia flores, folhagens e plantas medicinais, como hortelã, sabugueiro, erva de Santa Maria, boldo, carqueja, arruda, poejo, entre outras. Nas cercas, o maracujá, o chuchu, o melão de São João e as trepadeiras como buganvílias e amor agarradinho davam o tom suburbano e delicado às moradias. Havia hortas e pequeninos pomares onde mangueiras, goiabeiras, abacateiros, jabuticabeiras, laranjeiras e limoeiros estavam presentes, entre outras frutas como jambo, ameixa, pau doce, que conviviam com os canteiros de couve, alface, almeirão, tomate, pimenta, agrião, espinafre, cebolinha e salsinha.
Havia dois sobrados no bairro: um deles na rua Alípio de Melo, que tinha uma estrutura semi arredondada num pequeno lote, e outro na esquina de rua Lorena com rua Alvorada que, mesmo muito modificado, ainda pode ser identificado. Era um casarão escuro, com tábua corrida, fazendo vista no lugar que ficava, tornando-se uma das referências para o pessoal do bairro. Havia também uma casa toda feita de pedras por uma família de portugueses na rua Ramos de Azevedo. Atualmente, está totalmente escondida sob rebocos. A Casa das Abelhas, da família de alemães, mostrava em sua fachada o estilo chalé, com delicadas cortinas em suas pequenas janelas, que encantava a todos que iam até lá comprar mel.
No final dos anos 70 e início dos anos 80, um ar de modernidade chegou ao Jardim Montanhês com a construção da Igreja do Chapéu. Uma construção curiosa e bela num formato novo, que lembra um chapéu de freira. A construção se apoia em pilares quase que rentes ao solo, de onde nascem, como uma videira, as estruturas que compõem a cobertura em curvas, como se fosse um imenso e modulado caramanchão de uvas. A estrutura é de uma simplicidade franciscana e de uma leveza ímpar. Está armada sobre ferros e tijolos requeimados, deitados sobre ferros e cobertos por fina camada de concreto revestidos com massa forte de cimento. Atrás do altar, uma parede curva e solta dá o tom aconchegante do ambiente interno. É um prédio que chama a atenção por sua beleza, arrojo e leveza.
A arquitetura atual do bairro preserva ainda algumas moradias com características suburbanas de um bairro pobre que remontam a metade do século passado. A maior parte foi reformada, e os puxadinhos as modificaram muito. Outras foram demolidas para dar lugar a mais um ferro-velho e a casas comerciais. Outras viraram pequenos prédios que se espalham por todos os lugares.
Nada na arquitetura montanhense tem valor histórico, mas outros valores marcam a gente simples de lá e suas moradias. O sentimento de pertencimento ainda flui nas amizades construídas ao longo do processo de edificação do bairro e da comunidade.