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Jardim Montanhês

Como periferia, o Jardim Montanhês era um típico bairro de gente simples e de baixo poder aquisitivo. A maioria de seus habitantes era formada por operários como pedreiros, bombeiros, marceneiros, sapateiros, eletricistas, ferreiros, serralheiros, mecânicos, costureiras, alfaiates, cozinheiras e lavadeiras. Muitos desses profissionais trabalhavam como autônomos em pequenas empresas e também por conta própria, construindo casas nos bairros de classe média e alta.
Parte significativa dos moradores do bairro vieram do interior de Minas, alguns de várias partes do Nordeste e, por isso, eram tratados como “baianos”. Muitos se tornaram profissionais no próprio bairro, aprendendo com os mais velhos, atuando como ajudantes e, assim, a profissão ia passando de pai para filho.
Havia também no bairro uma leva de pessoas que eram pequenos comerciantes como os açougueiros, o dono da padaria, o Matavacas, o Zé Muniz, o Sr. Luiz, o Zé Magrelo, o Zé do Barranco, o Pena Forte, o Milton, o Bigode, o Nô, o Seu Raimundo, o Gonçalo, o Djalmas, o Seu Abílio, o Bacalhau e outros tantos. A maioria era dono de venda e botecos e alguns, uns três ou quatro, tinham banca de frutas e verduras no Mercado Central.
Se considerarmos a gama de profissões existentes, o bairro era auto-suficiente. De fato era. A maioria estava sempre disposta a ajudar uns aos outros, seja por intermédio do sistema de mutirão nos finais de semana, para resolver o problema de moradia de alguém, ou mesmo para roçar e aplainar um terreno para a prática do futebol.

 

A terceirização já existia no Jardim Montanhês

Desde o final dos anos 80, fala-se muito em terceirização dos serviços que não fazem parte do foco das organizações como um avanço. Ora, o Jardim Montanhês, enquanto bairro de periferia, já fazia parte desse bloco desde a segunda metade dos anos 40. Naquele período, a industrialização era ainda incipiente no país, os pequenos negociantes terceirizavam parte de sua produção já utilizando o conceito de montadores. É o caso dos setores de confecções e calçadista. Lojas como o Grande Camiseiro e a fábrica de camisas do Sr. Clarismundo, entre outras, terceirizavam a confecção de colarinhos e dos punhos das camisas sociais a pequenas costureiras. Os colarinhos já vinham cortados e o trabalho das costureiras era armá-los com entretela, costurá-los, fechá-los, dar acabamento e passá-los. Outras faziam os punhos das camisas, enquanto outras chuleavam as casas e pregavam os botões. Cada qual fazia um pedaço do processo, quase todo manual, contando apenas com a ajuda das pequenas máquinas de costuras que existiam nas casas, até que, no final do processo, era colocado o selo da camisaria. Um pouco mais tarde, o mesmo ocorreu com os calçados.

 

Costura e cozinha em domicílio e venda no varejo

Sem as famosas butiques que invadiram o mercado nos anos 70 para atender a classe  alta, muitas famílias mantinham em suas residências costureiras para criar modelos, copiar o que estava na moda e reformar roupas. No Jardim Montanhês existiram algumas costureiras e essa também era uma profissão quase familiar: sempre havia mais de uma costureira de ofício em cada família, era uma profissão que passava de mãe para filha. O mesmo acontecia com as cozinheiras, muitas delas também trabalhando em casas de família como Dona Ambrozina, que adorava falar que servia na casa da Dona Julieta e do Josaphat Macedo, e na família Nogueira Branco.
Aproveitando o talento e a experiência, a inquieta Dona Ambrozina fazia salgados como empadas e pastéis e punha os meninos para vender nos muitos campos de futebol da região. Aliás, era um batalhão de meninos vendendo de um tudo: salgados da Dona Ambrozina, bolinhos de feijão da Dona Dina, deliciosos pés de moleque que a mãe do Márcio fazia, doces de leite produzidos pela fábrica de doces do Sr. Daniel, geleia de mocotó feita pelos Nogueira na Vila Futuro, além de laranjas, mexericas e abacaxis trazidos pelas famílias que tinham bancas no Mercado Central e refresco quente em latas não tão higiênicas, também vendidos aos domingos nos campos de várzea da região.
 
As lavadeiras do Jardim Montanhês

De maneira geral, o Jardim Montanhês era um local privilegiado em volume de águas. Havia, nas margens do Córrego do Pastinho, inúmeros poços que eram verdadeiras lavanderias. O mais conhecido deles ficava bem no encontro da Av. Pedro II com rua Belo Vale, ao lado da Horta do Sr. Manoel. O local, cuidadosamente arranjado, era uma clareira aberta junto às várias minas d’água, onde havia muitos poços rasos de água límpida, com pedras para bater roupa e gramado natural, que servia de quarador. Naquele local, acontecia um reencontro com o interior trazido para a capital. Muitas mulheres reuniam-se democraticamente para lavar roupas e pôr a conversa em dia. Eram comadres e, quase sempre mantinham os filhos por perto à sombra das árvores e das goiabeiras, comuns na região.
Eram muitas as lavadeiras do bairro. Elas carregavam enormes trouxas de roupas sobre a cabeça, trazida das casas dos patrões, para lavar nos poços que existiam na região. Depois de lavadas e clareadas com anil, as roupas eram cuidadosamente passadas com ferro a carvão, depois elétrico, dobradas e entregues em trouxas, novamente levadas sobre a cabeça, quase sempre com a ajuda de um dos filhos. Era comum encontrar muitas lavadeiras e suas trouxas e filhos dentro dos bondes, das lotações e ônibus da região. Algumas delas ficaram mais conhecidas como Dona Ana, Dona Maria e Dona Terezinha, mulheres de fibra que, além de cuidar dos filhos e da casa, contribuíam para o orçamento doméstico lavando roupas.
Elas mereceram do compositor Eugênio Gomez um tratamento poético em sua música “Infância” :

 ...“Aquela mulher,
Lavando sua trouxa
Na correnteza
As coxas de fora,
Tudo era beleza
Como, por exemplo,
o entardecer...”

Quando observamos esse envolvimento das mulheres com o trabalho e sua participação no orçamento doméstico nos anos 40, 50 e 60, podemos concluir que a atitude de trabalhar fora não é uma prerrogativa nova para as mulheres pobres. Elas, mesmo diante do preconceito dos maridos e dos pais, sempre procuraram ajudar, de uma forma ou de outra, no orçamento da casa.

 

Sapateiros, alfaiates e outros

Havia uma fábrica de calçados localizada na Av. Tereza Cristina, no Calafate, denominada Fábrica de Calçados Bodolay, que empregava muitos sapateiros do Jardim Montanhês, entre eles Paulo da Silva, Nestor, Sr. Fausto, que era gerente, Bezorro, que detestava esse apelido e Vânia e Vilma, filhas do Sr. Domineu. Outros trabalhavam por conta própria, fazendo concertos, entre eles o próprio Paulo da Silva, que foi terceirizado pela Bodolay. Na Rua Pará de Minas, já no Celeste Império ficava o mais famoso sapateiro daquelas paragens, o Sr. Nana, um homem gordo, educado, que ficava num espaço apertado, desorganizado e até sujo, cheio de solas, sapatos, bolsas, pés-de-ferro e tralhas em geral. De fala mansa, atendia a todos com a maior presteza e era difícil saber como ele conseguia encontrar as coisas no seu estabelecimento.
Sr. David Canequeiro mereceu um destaque especial no Museu Virtual do Jardim Montanhês e sua história pode ser vista no link “Produções literárias”. Ele faz parte do imaginário popular do bairro, assim como o Sr. Jacó, um judeu que não era de lá, mas vendia cobertores a prestação e tornou-se conhecido de todos.
Uma família de alfaiates morava na rua Alvorada: era a família do Sr. Bejo, formada por ele e seus filhos. Havia outros como o Tarcísio, filho da líder Dona Ambrozina, o Orlando, o Zé Pedro e o Zezinho. Alguns aprendizes de alfaiate não seguiram a profissão, como o Fernando Resende. Sr. Bejo teve uma alfaiataria na rua Padre Eustáquio ao lado do Bar Império. Ele era um líder nas questões futebolísticas da região e seus filhos e sobrinhos eram bons de bola, dentre eles o Guininho, o Zé Pescoço e o Taquinho.

 

As inevitáveis mudanças e as raízes

Com o tempo e a industrialização, muitas dessas profissões foram desaparecendo e os filhos foram deixando aos poucos de se enveredar pelas profissões dos pais. Muitos foram estudar e o bairro acabou por formar engenheiros, médicos, psicólogos, pedagogos, professoras, bancários, economistas, enfermeiros, atores, músicos, artistas plásticos e jornalistas, profissões típicas da classe média. Muitos saíram e voltaram porque deixaram raízes por lá; outros voltam sempre porque deixaram pais ou irmãos naquele lugar, mas a maioria desses profissionais está hoje morando em outros bairros, em outras cidades, em outros estados e alguns até em outros países. Entretanto, quando o assunto é Jardim Montanhês, ainda que critiquem o estado atual do lugar, deixam no ar um quê de saudade, não se deixam perder na desidentidade usual e reafirmam com carinho o seu pertencimento àquele lugar má


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