Aqui, na vila (quase roça), hoje chamada Jardim Montanhês, nos idos de 1952, o tempo parecia passar devagar, como no interior.
Na casa onde nasci (quatro anos antes do ocorrido) ainda usávamos água retirada manualmente, de um poço de mais ou menos 11 metros de profundidade; o esgoto era canalizado para um buraco entre cinco e seis metros de profundidade (chamado fossa); meu pai tinha um chiqueiro (criadouro de porcos), um galinheiro com umas 40 galinhas e, ainda, no quintal, além dos ciprestes junto à cerca de arame farpado, muita fruta, entre elas uma parreira de uvas, manga, abacate, jabuticaba, ameixa, amora, mamão, mexerica e goiaba. Conforme a época do ano, colhíamos mandioca, chuchu, salsa, cebolinha, couve, alface e almeirão.
Entre os muitos lotes vagos, havia um na divisa com o nosso, bem próximo à casa que pertence à família dos Inacinhos, que até hoje é alugado e onde residem descendentes do primeiro locatário (a família do Sr. José Carroceiro e sua esposa Dona Concelça, já falecidos). Ao lado desse, o lote seguinte fora comprado por eles, onde construíram sua casa, e no lote que ficou entre esse e o nosso, o homem resolveu comercializar nada mais, nada menos que lenha – na época, quase todo mundo usava fogão à lenha, inclusive os fornos das padarias que havia na redondeza.
Sempre que chegava um carregamento de lenha, o pessoal que a descarregava não tinha um pingo de cuidado. Vez por outra, algum pedaço de pau quebrava uma ou mais telhas de nossa casa.
O imprevisível aconteceu com um desses carregamentos de lenha. Pode até parecer estranho, mas o fato é verídico: sem que alguém pudesse perceber, veio junto com a lenha, e foi parar na cozinha da minha casa, uma cobra que, evidentemente, deixou-nos bastante assustados até que minha mãe (nascida na roça), decidida e consciente, a matou a pauladas.
Não tenho fotos para ilustrar o ocorrido, nem saberia dizer se o bicho era ou não venenoso. Contudo, para a criança que eu era quando se deu o fato, foi uma experiência apavorante, que iria somar a muitas outras, no decorrer dos anos.
Francisco Lutkenhaus
Nota: Naquela época, não existia nem a soja, nem óleos comestíveis industrializados. Com a gordura animal (do porco) fazíamos a comida. Também não havia granja nem abatedouros industrializados para abastecer o mercado. Além disso, as galinhas tinham papel importante como inimigo natural dos frequentes escorpiões na nossa região. Em consequência, tínhamos uma vida saudável, ar puro. Uma harmonia intensa no contato diário com a natureza