Alguns, entre muitos cães na nossa infância
Dos 56, apenas quatro anos passei fora de Belo Horizonte, mais precisamente no estado do Rio de Janeiro, onde prestei serviço militar à nossa gloriosa Marinha de Guerra.
Sempre morei onde nasci, aqui mesmo, na Rua Lorena, no nosso Jardim Montanhês.
Havia na nossa infância um convívio intenso com a natureza e com os animais domésticos, que faziam parte do nosso dia a dia.
Caso 1°. Um recurso de última hora
Sr. José, marido da hoje falecida D. Zulmira, tinha um cão enorme, bravo e criado na corrente, que raramente aparecia na rua. Somos, ainda hoje vizinhos pela Rua Estevão de Oliveira (na época do ocorrido a rua chamava Morro das Graças). Bem defronte à casa do Sr. José, junto à cerca do lote do meu pai, havia uma remanescente e frondosa árvore de cerrado, que, durante o episódio estava sendo cortada. No meio das várias galhas caídas na rua, estava eu, um pirralho de facão fazendo os desbastes para aproveitar a lenha, que era jogada para dentro do lote. Em determinado momento, sozinho, vi-me frente a frente com um enorme cão que se aproximava rosnando e mostrando as potentes armas de suas mandíbulas. Apavorado, e sem saber o que fazer (o facão não estava nas mãos nesse momento), fui recuando devagar até o barranco, junto ao tronco da arvore e à cerca. Estava encurralando, não havia saída, nem quem pudesse me ajudar. O desespero era grande, mas tinha que fazer algo, e eu não sabia o quê. Então, como único e último recurso, fechei a mão direita e apliquei um soco com toda força possível, de baixo para cima, no queixo do cão. Ele saiu grunhindo em direção à casa do seu dono e, eu, amarelinho, peguei rapidamente o facão e fui para a casa.
Caso 2°. Vizinhos inimigos
O Sr. José Caiana e o Sr. Antônio ‘tratorista’, vizinhos que foram na Rua Lorena, separados apenas por uma cerca de arme farpado, nunca foram inimigos e, hoje, ambos são falecidos. A rincha era entre os dois cães da família. Na casa do Sr. José Caiana tinha um mestiço malhado que atendia por Tarzan, e na casa do Sr. Antônio, outro mestiço, entre marrom e vermelho, que se chamava Lusbel. Ninguém conseguia entender tamanha hostilidade, pois quase todos os dias, e nas menores oportunidades, a briga entre os dois tinha que ser separada a pauladas. Por sorte, nenhum dos dois morreram por briga entre ambos, o que seria normal em se tratando de vizinhos extremamente beligerantes.
Francisco Lutkenhaus
Nota: Naquela época, todos os cães do bairro eram ‘vira-latas’ ou mestiços e não havia controle de zoonose. Quando apresentavam sintomas de raiva, eram abatidos pelos proprietários.