ir para o Museu Virtual Brasil
A+ A-

Jardim Montanhês

O ano é impreciso, mas ocorreu entre 1950 e 1954, e, infelizmente, todos os protagonistas do fato já realizam pescaria em outro plano; portanto fica aqui, além do registro, o nosso profundo respeito e muita saudade deles: Tio Zé Contagem (José Ferreira Filho), Dico Bombeiro e Toninho Português (filho do Sr. Manoel Português – da horta).
Tinha muito e bom peixe, sim senhor! Mas também todas as dificuldades de transporte e rusticidade total de equipamento. Como todos ainda não haviam aposentado, o esporte-aventura predileto deles, as pescarias (como o é para milhões de outras pessoas), sempre eram agendadas para os fins de semana prolongados.
Naquela quarta-feira santa, embarcaram no misto (trem de carga e passageiros), que fazia o percurso entre Belo Horizonte e a cidade de Monte Azul, na divisa com o estado da Bahia, com seus precários e restritos equipamentos (anzol, pão, sardinha em lata, quitute enlatado, café, açúcar, sal, gordura e bastante pinga).
Em Corinto, passaram para outro trem (o que fazia o ramal de Pirapora), e o final do percurso embarcado era na estação de Pratinha, no meio do sertão. Dali até as margens do rio Bicudo, afluente do Rio das Velhas, ainda restavam entre cinco e seis quilômetros de botina (à pé). Nesse trecho, nossos heróis mais pareciam burros de carga que qualquer outra coisa, mas o cansaço não diminuía a esperança e o companheirismo do grupo.

Tarde de quinta-feira Santa
Finalmente na beira do rio e instalados em uma cobertura de curral abandonado da Fazenda dos Papagaios. Agora, era juntar bastante lenha para a fogueira que iria aquecê-los à noite e afastar possíveis e indesejáveis animais. Ato contínuo, armaram umas doze varas de bambu de cinco metros, equipadas com finos cabos de aço (um pouco maior que as varas) e seus famosos anzóis Jaú, devidamente iscados*. Enquanto os peixes não apareciam, contavam piadas entre um e outro cigarro e goles de cachaça. A noite chegou, e nada de peixes, então acenderam a grande fogueira, e, vencidos pelo cansaço, foram dormir.

Meia noite
Tio Zé acorda com um estranho barulho e percebe na areia, bem junto às labaredas, um enorme veado galheiro. Acorda seus amigos que, assustados, não creem no que presenciam. O Dico Bombeiro aponta a sua Rossi-32, mas tio Zé implora que ele não efetue o disparo, lembrando-se da data. Como num passe de mágica, a visão desaparece, e nossos amigos tomam mais uma e vão dormir. Com os primeiros raios de sol da sexta-feira e a curiosidade aflorada, procuram, mas não veem sequer uma pegada de animal que estivera bem ali, naquela macabra noite. Apavorados, quebram suas varas de bambu, atirando-as no rio, onde também lançaram seus poucos utensílios de cozinha, que serviram de alvo para suas cartucheiras. Esta foi a primeira e última pescaria em Semana Santa.

Francisco Lutkenhaus
 
* Equipamento composto por varas de fibra, carretilhas, molinetes e iscas artificiais era exclusividade dos ricos da Europa e dos Estados Unidos. Até então as linhas de nylon, que hoje são muito populares e até superadas pelas de multifilamento (super caras), não existiam no mercado brasileiro. 
Imprimir Enviar artigo para um amigo Criar um arquvo PDF do artigo
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Escritório de Histórias
Rua Monteiro Lobato, 315 sala 402 - Bairro Ouro Preto - Belo Horizonte- MG Cep: 31310-530 Telefone: 31 3262-0846

Entrar | Créditos
Bertholdo © 2009