Como todos nessa vida, Jadeílson também teve o seu dia de glória. Glória num dia, inglória em outro. Morador do já famoso Jardim Montanhês, lugar pobre meio espremido entre o Aeroporto Carlos Prates e o bairro Caiçara, de gente simples e bondosa, mas também, um lugar estranho. Estranho era Jadeílson, ou melhor, estrangeiro. Recém chegado na vila, fazia jeito de se mostrar o malandro do pedaço. O seu tempo de ‘playboy’ já ia longe, anterior aos Beatles, aproximando-se mais da geração do samba-canção. Mas, solteiro que era, queria se mostrar para as mocinhas e para as mulheres mais maduras da vila. Gostava de mulher, era famoso por deitar os olhos em todas, e fazer comentários maldosos, que, na sua vida e esperteza, entendia serem galanteios. Metia-se com todas, cada mulher era especial, comentava. Foi numa dessa que levou um tapa naquela cara de madeira, bem no ponto do ônibus. E quem lhe deu a devida marcação do limite foi Beliza, uma senhora bonitona, viúva de Santero, assassinado a sangue frio por um desconhecido. Entretanto, o tapão na cara de Jadeílson não foi o suficiente para que ele tomasse jeito. Inda mais depois de começar a sair com Jandira que, por uma deficiência visual, achou-o parecido com o seu ator preferido, Marlon Brando.
Até poderia parecer com o Marlon Brando, não fossem o seu metro e meio de homem, os seus cinquenta e poucos quilos, o seu jeitão de malandro caipira e o rosto meio estragado, que em nada lembrava o talentoso e belo ator. Mas ele gostou, adotou o pseudônimo Marlon Brando como o nome próprio. Assim, todos passaram a tratá-lo pelo novo nome. Como disse dona Vera, mãe de Zenilda, o sujeito “estava no céu de bunda de fora”. Sujeitinho feio, baixinho, sem assunto, ser parecido logo com o Marlon Brando? De fato, o nome pegou de jeito e, quando lhe perguntavam o nome, ele dizia em bom tom: ‘Marlô Brand’. Não conseguia pronunciar direito, colocando, “à francesa”, uma tônica na segunda sílaba.
Com isso, o cara foi ficando uma chatura. Vez por outra ia na barbearia do Zico e pedia para fazer um corte como o da foto do Marlô Brando. O barbeiro explicava que, com um cabelo daqueles, nem com navalha seria possível, mas se esmerava nos recursos que tinha, a brilhantina Glostora.
Dali, Marlon Brando saía garboso, envaidecido, achando-se o tal. Namorava a Jandira e, depois que esta lhe dispensava, lá pelas 11 da noite, ele dava uma chegada no Bar do Sapo, tomava uma guia, uma cerveja Faixa Azul casco escuro, e falava alto para que todos ouvissem:
- Vou ver a minha nega lá na Oiapoque, descolar uma grana e depois vou ao Elite dançar.
Era verdade. Marlon Brando era um bom dançarino. Tinha também uma mulher com quem tinha um caso na Av. Oiapoque. E lá ia ele para mais uma noitada naquele sábado à noite.
Antes, passou pela velha rodoviária, conferiu os cartazes chamando para a luta livre no espaço do Paisandu, pediu uma pinga seguida de uma vitamina de frutas. Gostava dessa mistura. Endireitou o paletó e seguiu. Em frente ao Cine México, sua menina o esperava. Entrou com ela naquele quarto de hotel, ‘trocou o óleo’, como dizia, recebeu a grana e se mandou. No Elite estava Carmem, dançarina das melhores que Belo Horizonte já conheceu. Passaram a noite na dança, “com todo o respeito”, dizia, porque é bom não confundir mulher de gafieira com mulher de zona ou com namorada. Assim ia mantendo relacionamentos interessantes: namorava uma, explorava a outra e gastava tudo na dança e na bebida com a dançarina.
Não demorou muito para que a namorada descobrisse que era traída na zona e lhe desse o fora com uma boa dose de desaforos. Naquele sábado da dispensa, bebeu mais e seguiu a mesma rotina. Ao passar pela rodoviária, tomou a pinga e a vitamina de frutas e resolveu assistir uma luta livre antes de ver a Ritinha. Demorou mais e, ao chegar lá, a sua mulher estava de conversa com um sujeito. Aproximou-se. Ritinha olhou-o com desdém e fez um movimento com a cabeça, sem lhe dar a atenção devida. Ele então, educadamente, pediu licença ao sujeito e pegou Ritinha pelo braço. Ela chiou, empurrando-o. O sujeito, muito cavalheiro, interveio:
- Ô malandro... Pode ir andando que a mina tá comigo!
- Que é isso, ô meu? Essa mulher é coisa minha.
- Era, disse a Ritinha.
- Mulher minha um dia é mulher minha a vida toda! - falou grosso, pegando a Ritinha pelo braço. Mas sentiu o colarinho subir e os pés saírem do chão. O sujeito era um ‘guarda-roupa’. Soltou a mulher, mas o cara continuou segurando ele no ar para, em seguida, atira-lo no paredão do cinema.
Como num filme, Marlon Brando caiu da tela. Afinal, foram duas derrotas na mesma noite. Faltava só a Carmem não mais dançar com ele. Recolheu-se na sua dignidade e saiu de fininho. Parou na vitrine da loja de discos e percebeu o quanto a camisa estava amarrotada e a gravata, suja.
Como tinha a chave do quarto de Ritinha, dirigiu-se para lá, na intenção de pegar uma camisa limpa, uma gravata e, talvez, até tomar um banho.
Mas, não era mesmo o seu dia. Entrou no banho e, quando se preparava para vestir a roupa, chegaram Ritinha e o seu ‘guarda-roupa’. Marlon Brando, de cuecas samba-canção, parecia ainda mais fracote. O sujeito, aproveitando-se da situação, jogou as roupas do ‘artista’ pela janela, empurrando-o escada abaixo. Na rua, sem calças, segurando a sua samba-canção, Marlon Brando estava num mato sem cachorro. Correu pela Oiapoque e foi para a beira do Rio Arrudas, na altura da cervejaria Antarctica, onde três mulheres faziam ponto. Chegou debaixo de risos. Como macho que era, sentou a mão numa delas e disse que precisava de dinheiro para pegar um táxi. Ficaram olhando para o ridículo daquele sujeito de cuecas em plena rua e resolveram dar um caldo nele. Avançaram sobre Marlon Brando e, sem a menor cerimônia, o atiraram dentro do Ribeirão Arrudas.
A sorte é que ele sabia nadar, mas ficou tão quebrado que até perdeu a vontade de ir dançar com Carmem naquela noite.
Osias Ribeiro Neves