Eugênio Gomez, médico há 30 anos, compositor, passou sua infância no bairro Jardim Montanhês e, ao lado de amigos, em 1984,lançou o disco ArraialA varanda, as lavadeiras com suas pernas à mostra, o entardecer dourado, os sons de jia, o cheiro de interior... A infância de Eugênio Gomez traduzida em versos e melodia. As recordações do Jardim Montanhês, de Eugênio e daqueles que com ele partilharam o período em que o bairro parecia uma cidade do interior, quando os vizinhos se conheciam, os meninos brincavam pelas ruas (que não eram ruas), e a água do brejo e das minas eram usadas pelos moradores.
O menino Eugênio chegou ao Jardim Montanhês com cinco anos e de lá saiu quando tinha 28. Formou-se em medicina, indo praticar a profissão em Lavras, interior de Minas Gerais. A letra da música "Infância", de sua autoria, traduz o sentimento que nutre pelo Montanhês. "A minha infância foi sensacional dentro do bairro e não muito boa, ou péssima, fora dele. Poderia dizer que o Jardim Montanhês salvou a minha vida! Jogávamos futebol sete vezes por semana nos quatro campos de futebol que lá havia. Tínhamos amigos e turmas de primeira qualidade: o verde exuberante e as grandes amizades foram, talvez, o que de melhor aconteceu na minha vida. O que me chamava a atenção era a população humana: solidária, corajosa, generosa, quase pobre, na qual pude, desde cedo, avistar com microscópio toda a dramaturgia humana."
Na casa espaçosa e simples, com quintal e árvores, Eugênio cresceu com os irmãos. Seu pai, Sr. Manoel Gomes, era bancário e diretor do sindicato, muito atuante na época, o que fez com que não recebesse nenhuma promoção. Sua mãe, D. Célia, era professora primária, o que fazia com que tivesse grande reconhecimento no bairro.
Titanus
Eugênio cursou as primeiras séries em um grupo escolar, num bairro próximo ao Jardim Montanhês. Posteriormente, foi estudar no Colégio Santo Antônio, na zona sul de Belo Horizonte. Quando tinha 12 anos, ele e os colegas do colégio, contando com o apoio do pai, fundou o Titanus, time de futebol que também era formado por colegas do bairro. Seu pai, grande entendedor de futebol, foi o técnico por dez anos.
Músicas e Arraial
Além dos jogos de futebol que aconteciam frequentemente no bairro, outra distração de Eugênio eram as festas, horas dançantes, serenatas e rodas de samba das quais participava. Seu interesse por música era muito grande, o que o levou a compor sua primeira música aos 16 anos. "Sonhava compor, um dia, como Adelino Moreira e, um pouco mais tarde, como Osias Neves, Danilo dos Santos Pereira e Geraldo Martins Ferreira, amigos do bairro. No Jardim Montanhês, a natureza nos arrebentava as retinas de tanta beleza, e a gente humilde de lá era o que de melhor cheguei a ver no meu meio século de existência aqui na terra. Não havia efervescência cultural no Jardim Montanhês, naquele tempo. Havia, sim, a febre da juventude em nossos corações."
Em 1984, Eugênio se juntou aos amigos Osias e Danilo para lançar o disco "Arraial", com composições próprias cantadas por Titane. As músicas ganharam arranjos primorosos de Gilvan de Oliveira, Rufo Herrera, Marco Antônio Guimarães, Marcos Vinícius Cardoso, maestros José Guimarães e Flávio Fontenelle, e participação especial de Sérgio Moreira, Ângela Maciel, Uakti e Célio Balona.
Eugênio é quem fala do coquetel de ritmos, lembrando, porém, do tratamento inconvencional, sem pretensões de vanguarda, dado à estrutura melódico-literária das canções,
'Recordações de Amon', por exemplo, alia um ritmo primitivo do norte mineiro, a Folia de Reis, a uma letra futurista e fantástica."
O disco, dedicado a Tom Jobim, que traz a poesia e o lirismo dos compositores, amigos de juventude, teve repercussão na imprensa da época, recebendo críticas positivas, como a publicada na edição de 18 de maio de 1985 do jornal ‘Estado de Minas’:
"(...) O lirismo marca esse disco, principalmente em duas faixas, talvez por isso, as mais bonitas. 'Perfume mesclado de flores do campo e pasto de vaca', assim Eugênio descreve um pouco da antiga BH em 'Infância', onde resgata o sentimento de Carlos Drummond de Andrade em 'Triste Horizonte', lamentando as mudanças ocorridas na capital mineira. Drummond pedia para não ter mais que retornar a Belo Horizonte, e Eugênio reza, pedindo pro dia não amanhecer (...)."
Antes do reencontro com Osias Neves, Eugênio Gomez publicou alguns contos e poemas em jornais e revistas especializados, também lançou um compacto, com destaque para a música 'Padinho', interpretada por João Carlos.