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Jardim Montanhês

Osmar Eustáquio Neves, artista e professor de filosofia

 

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Um lugar onde era permitido sonhar, que fomentou o surgimento de muitos sonhadores. É assim que Osmar Eustáquio Neves vê o Jardim Montanhês, bairro onde nasceu e cresceu e de onde extraiu elementos importantes para sua formação. No entanto, Osmar não acredita que o bairro tenha algo mágico. O que era especial, para ele, eram as pessoas do lugar, com as quais ele partilhou as brincadeiras nos campinhos de futebol e no campo de aviação e que estiveram presentes nos bons momentos de sua infância.
O Montanhês, para ele, ficou na lembrança das serenatas para as meninas, da turma do futebol, da vida simples, da criatividade na construção de brinquedos, da invenção das brincadeiras. De um tempo que não era medido. Só era demarcado com o chamado da mãe para ir almoçar e tomar banho. Um tempo sem tempo, que não se perde na memória. “A gente cresceu com muita tranquilidade e sem nenhuma preocupação. Minha família era muito pobre e a simplicidade era a tônica. Acho que as pessoas eram especiais nesse momento. Nosso mundinho era ali”.

Arte

Um dos primeiros contatos de Osmar com a arte aconteceu dentro de sua casa. Seu pai tinha um amigo que era pintor. Costumava pintar coisas simples e havia dado a seu pai uma pintura de uma sereia, parecida com pinturas de barra de caminhão. Esse quadro chamou sua atenção, que ficava observando os desenhos e a paisagem meio obscura. Daí, começou a desenhar, copiando revistas como “Flecha Ligeira” e “Cavaleiro Negro”, até o dia em que resolveu pintar. Tinha por volta de dezesseis anos. Começou pintando em preto e branco, por não ter acesso a material e a tintas sofisticadas, como a óleo, acrílica ou vinílica. Apesar de ter sido essa a circunstância, Osmar gostava de suas pinturas em preto e branco. Tudo não passava de hobby, até que seu irmão Odair levou os quadros para vender na Feira Hippie. Posteriormente, ele começou a trabalhar com cores e cursou Artes Plásticas na Escola Guignard. “Depois que eu fiz escola, meu trabalho mudou, acho que para melhor. Aprendi proporção, perspectiva com tons claros, tons escuros e várias nuances que se pode explorar com a pintura. Mas existe muita coisa que a escola não fornece. A escola ensina uma técnica; a escola não ensina ninguém a ser criativo. O resto pode ser aprendido.”


Formação

Depois de se formar em Artes Plásticas na Escola Guignard, Osmar cursou Filosofia na PUC Minas e, atualmente, além de fazer seus trabalhos artísticos, leciona Filosofia e Sociologia em escolas da rede estadual. “Acho que a Filosofia tem muito a ver com meu trabalho. Busquei esse curso não só pela estética, mas para conhecer melhor o ser humano. Quando estudei Antropologia Filosófica, apaixonei-me pela Filosofia. Comecei a estudar o sujeito na sua origem, nas suas relações e na sua cultura, porque toda expressão do sujeito no mundo é cultura. A filosofia me regula muito. Hoje, não consigo fazer um trabalho só. Não tenho um trabalho único: sigo o meu estilo, mas, certamente, acabo buscando uma linha de trabalho que não resulta só em uma, duas ou três telas. Embrenho-me numa série de trabalhos que vão determinar uma linha. Hoje, trabalho pouco com arte por falta de oportunidade. Chega-se num ponto em que se produz, mas não se consegue jogar as obras no mercado.

Discorrendo sobre arte

“O sujeito é como cera no mundo. É condição de possibilidade. A gente transforma o que quiser transformar, basta ter vontade. Eu faço escultura em madeira, acrílico e metal. Trabalho com pintura a óleo e acrílica. Quando faço um desenho, sei se vai ser pintura ou escultura. O desenho de escultura tem cara de escultura; o de pintura tem cara de pintura. Aprende-se a separar essas duas linhas de trabalho.
A arte ganhou muito quando deixou de ser cópia, hiper-realismo. Acho que ganhou muito depois dos impressionistas e cubistas, que vieram mostrar que não é preciso fazer nada igual ao que está aí. A pintura se basta enquanto explicação. Se eu falar alguma coisa sobre uma obra de arte minha, isso pode até quebrar aquilo que eu mesmo senti enquanto a estava fazendo. Agora, com a pós-modernidade, o sujeito faz um borrão qualquer e é considerado artista. Pode-se até ter um trabalho abstrato muito interessante, mas o trabalho abstrato tem que ter história. É preciso ter começado em algum lugar, isto é, tem que ter origem.
A arte tem essa vertente também. Qualquer coisa hoje é aceita como arte. Chega um teórico qualquer e diz alguma coisa justificando aquilo, como se a arte precisasse de justificativa. Acho que a gente tem que ter o mínimo de honestidade e assumir: “Hoje, eu fiz uma merda.” Tem trabalho que eu faço e de que não gosto. Depois de um tempo, chega um sujeito e acha legal, mas ele é leigo, por isso agradou. Mas acho que o artista sabe quando faz algo que não tem sentido. Falta virar arte. Infelizmente, quem tem nome vende. Mas sei que, no fundo, pensa: “Aceitaram aquela droga que eu fiz.” É frustrante. Um dia, alguém vai ver aquilo e perceber que não passa de uma bobagem.
Às vezes, eu me pergunto: “Onde está a criatividade? Está dentro de nós? Está fora de nós?” Nós não somos donos dela. Não é todo dia que se pode esculpir. Tem dias em que a madeira está ruim para trabalhar. Tem dias em que está igual a manteiga. Então, pensamos que é a madeira, mas não é. É o artista. Acho que tem alguma coisa, algum canal que facilita essa energia. É por isso que eu acho que ninguém ensina ninguém a ser artista. É como ser professor: tem dias em que você não está bom para ensinar. Algumas vezes, o pessoal me dá parabéns no final da aula. São os dias em que consigo captar a necessidade do outro e falo o que ele está precisando ouvir. Essa interação não flui na hora em que a gente quer. A gente acaba sendo refém dessas coisas.”

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                                                                  Pintura de Osmar Eustáquio Neves

 

O trabalho do artista

“Acho uma condenação querer trabalhar com arte. O artista, ainda hoje, é visto com uma certa indiferença, é marginalizado. Mas tem um peso: se você vai fazer uma entrevista num emprego e alguém lhe pergunta: “O que você gostaria de estar fazendo agora?” De cara, eu vou responder: “Queria estar pintando; o meu trabalho é pintar.” Então, fica esse peso, essas duas medidas: você tem que entrar no sistema, que é capitalista; você tem que produzir dinheiro para adquirir coisas. A arte não é lugar disso. Mesmo porque eu acho que o artista não tem que vender nada. Essa é a função do vendedor, não de quem faz a arte. Isso cria uma dificuldade muito grande na cabeça do artista: tem momentos em que eu tenho que ser ganhador de dinheiro e tem momentos em que eu tenho que ser artista. É uma divisão crucial, criticada e pesada. O artista é marginalizado mesmo. Pode ser um ótimo pintor, um excelente artista, mas acaba sendo ferido por esse sistema capitalista.”
 
O Montanhês hoje

“O Montanhês é esse tempo que a gente sabe que não volta, mas do qual é bom lembrar. Até hoje minha mãe continua no Jardim Montanhês, e a qualquer lugar que eu vá, passo por lá. Mas, hoje, pra mim, é um lugar como outro qualquer. Não é o lugar, mas as pessoas é que são diferentes. A gente não pode falar do Jardim Montanhês sem pensar que são as pessoas que estão lá que fazem o lugar. Eu acho que a pessoa modifica o lugar onde está. Ela nasceu para isso, para modificar as coisas. Na verdade, são vários Jardins Montanheses: cada um aprende de uma forma. Eu convivo com a lembrança do Jardim Montanhês de forma diferente da de outras pessoas. O Jardim Montanhês está dentro de cada um de forma diferente, porque somos diferentes. Cada um tem suas experiências de vida, sua forma de sentir, absorver e perceber o mundo. É isso que nos faz ser rico em nossas relações. Na arte também é assim: a gente elege alguns objetos para trabalhar. O artista brinca com os objetos que ama, por isso a linha de trabalho existe e o estilo aparece. O artista busca aquilo que o agrada, aquilo que vai dar um efeito mais interessante. A vida da gente é feita de escolhas. Só você pode escolher e só você pode ser responsável por elas. Por isso é preciso saber escolher.”

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