Meu nome é Maria de Lourdes Cândida Vieira. Nasci no dia 11 de fevereiro de 1934 aqui mesmo. Sou aposentada e tenho uma filha que se chama Ana Paula, que é advogada.
A minha infância foi muito pobre, mamãe lavava muita roupa na mina. Quando eu sai do grupo eu passei a ajudar mamãe a levar e a buscar roupa, eu andava com aquelas trouxas de bonde. Carreguei muita trouxa de roupa nos bondes, aqueles bondes cheios e a gente carregando. Depois com quatorze anos eu comecei a trabalhar. Primeiro eu trabalhei em uma fábrica de biscoitos e de balas, depois fui trabalhar em laboratório. Trabalhei sete anos em laboratório, depois fui trabalhar na RCA vip e, em seguida, na Telemig, que nesse tempo era Companhia Telefônica de Minas Gerais. Aí eu trabalhei na Telemig até casar. Quando eu casei logo tive um aborto, então quando eu fiquei esperando a minha segunda filha a primeira coisa que eu fiz foi dar um jeito de eles me mandarem embora, porque o serviço lá era muito chato. As mulheres pegavam no meu pé, eu trabalhava contrariada o dia inteiro, era aquele ambiente pesado. Então eu dei um jeito e eles me indenizaram. Aí eu saí, tive uma filha muito sadia, muito bonitinha. Vivi quatro anos casada, depois não deu certo , separei, desquitei e vim ficar aqui com minha mãe outra vez, graças a Deus. Estou aqui até hoje. Minha filha cresceu, estudou, formou e hoje ela é advogada. Ela tem uma caminhada bonita e eu sou feliz demais. Eu tive uma presença de Deus muito forte na minha vida, porque geralmente a mulher quando separa, desorienta, ela não tem nem força. Eu fiquei numa boa, tranquila para criar minha filha, sem estresse. Hoje a minha filha agradece muito o jeito que ela foi criada, que ela é uma menina normal apesar de não ter pai. Ela já teve as dificuldades dela, no grupo era muito cobrado aquela presença do pai, tinha aquelas festinhas e ela ficava triste. Mas tudo foi superado e hoje em dia graças a Deus a gente está muito tranquila.
A minha infância foi muito boa. Eu casei muito tarde com quase quarenta anos. Eu não tinha tempo de namorar, eu só trabalhava para ajudar em casa. Eu ajudei muito minha mãe. Mas graças a Deus eu fico alegre quando lembro o que pude fazer para minha mãe para ela ter uma vida melhor, porque ela sofreu muito. Ela vivia com dificuldade, então à medida que eu fui me entendendo por gente tudo o que eu podia fazer para aliviar o sofrimento dela eu fazia. Nossa casa era pequeninha, era ruim e eu fui aumentando, aumentando. Era aqui mesmo, só que era um barracão de quatro cômodos. Aí eu juntava com meu pai que era pedreiro, a gente combinava e ia aumentando. A casa ficou grande, ficou legal, ficou igual está aqui. Então eu não posso dizer que eu tive uma infância ruim, minha infância não foi ruim, eu sempre fui uma pessoa feliz. A tristeza nunca me venceu, nem as decepções da vida. Quando eu estava me separando eu achei horrível, eu pensava: “tenho que dar para essa menina uma vida maravilhosa. Como vou cria-la sem pai?” Eu achava o fim da picada, isso me machucou demais. Mas depois eu vim para cá e eu era tão feliz com ela. A gente viajava, ia para Esmeraldas, pois a minha família é de lá. Dia dos pais ela ficava triste. Eu levava ela para Esmeraldas e lá também tinha umas meninas que não tinham pai e aí juntava. Na casa da minha tia tinha uma área grande com uma mesa comprida e aí ela fazia aquele almoço, todo mundo sem pai. Meu tio que era o mais velho da família ele era o pai de todos, ele abraçava todos. Então era feliz. A nossa vida foi uma luta, mas uma luta maravilhosa. As coisas eram difíceis, mas eu era alegre. Então eu sou uma vencedora.
Capela Santa Maria de Salomé
Participei ativamente da Comunidade Santa Maria de Salomé. Em 1954 um grupo de homens da nossa vila, resolveu fundar uma igreja para padroeira de Santa Maria de Salomé. A primeira reunião foi na casa do senhor Antônio Batista, na rua Bom Retiro, 91. Foram fundadores, José Marcelino de Souza, Geraldo Cesário da Silva, José Raimundo, José Geraldo Ávila, Manuel Osório, Luís Dutra e José Ferreira. Nessa época a vila não tinha água nem ruas abertas, era só mato e trilhas. Quando o campo de aviação foi cercado sobrou uma ponta na rua Morro da Graça, com a autorização da prefeitura começaram no local a construção da tão sonhada sede dos Vicentinos. O trabalho era realizado aos domingos por mutirão de homens, mulheres e crianças. A água era carregada de uma mina que brotava onde hoje é a avenida Dom Pedro II. Com o tempo a capela ficou sendo matriz provisória. Em 1989, a capela foi doada pelos vicentinos à arquidiocese de Belo Horizonte.
As pessoas que trabalharam na construção moravam aqui, na rua Bom Retiro, na rua Lorena e na rua Estevão Oliveira. Então eram todos os homens assim vizinhos. A gente fazia barraquinha no mês de maio, rezava o terço, vinha gente de outros bairros e nossa coroação era linda. Minha irmã fazia quadrilha, festivais de Nossa Senhora e para Nossa Senhora das Graças a gente quebrava galho de jabuticaba, fincava na lata e punha aquele galho bonito e Nossa Senhora lá dentro. Era uma coisa linda, vinha gente de longe assistir essas coroações. Foi chamando a atenção e começou a vir padre para ver também, depois eles começaram a assistir a missa, até que Dom Serafim e Dom João Bezerra de Costa ficaram sabendo. Nessas alturas o dono do bairro, Inácio de Melo, doou o terreno para fazer a igreja. Ele tinha uma fazenda na rua Alípio de Melo, era uma rua comprida que terminava na rua dele. Então ele doou o terreno e Dom João veio aqui e colocou a pedra fundamental da matriz. Aí eles começaram a construir, até que a igreja ficou pronta. Quando ela ficou pronta nós continuamos a nossa caminhada. A gente fazia leilão para a igreja. Meu pai pegava aquelas canas bonitas, amarrava aqueles feixes e levava para o leilão, levava penca de laranja, abacates grandes, isso dava uma boa renda. A dona Ambrosina fazia bolos que vinham no prato enfeitado, frango assado, e era tudo leiloado. Tinha barraquinha também, era muito animado, muito bom. Nas barraquinhas tinha canjica, pastel, pé de moleque, cachorro quente, aquelas coisas gostosas. Tinham as equipes que tomavam conta e eu tomava conta da cozinha. Então eu ficava na canjica, eu era a canjiqueira. Eu tenho até retrato eu no caldeirão de canjica, aqueles caldeirões bem grandes. A nossa canjica era boa, era famosa.
A gente fazia também quadrilha de São João na rua Estevão de Oliveira, na casa da dona Ambrosina e o meu pai era o marcador da quadrilha. Ele tocava sanfona e o casamento na roça andava nas ruas, a noiva na carroça e ele com a sanfoninha. Ele tocava essas músicas juninas com perfeição. Ele tocava é nós cantávamos atrás, todo mundo vestido. A quadrilha era linda toda marcada em francês. Hoje é tudo diferente. A quadrilha do meu pai era a verdadeira quadrilha, não era dançada como hoje se dança, tinha que ser um quadro, senão não era dança, não era a quadrilha verdadeira. Eu tinha o privilégio de dançar com o meu pai e como ele era o marcador eu não errava nada. Tudo que era para fazer ele me empurrava, me dava o sinal. A gente fazia aqueles vestidos bem bonitos, era cada um mais bonitinho do que o outro e a gente punha aquelas tranças, era muito animado. A nossa quadrilha era fabulosa, era famosa, vinha gente de longe assistir. O bairro ficava cheio de gente.
Fazíamos as festas com o dinheiro que o pessoal doava. Era uma comunidade pobre, mas não faltava nada e as festas davam renda. Nós fizemos uma capela sem ter dinheiro. Eram os operários que trabalhavam de pedreiro a semana inteira no domingo iam trabalhar na capela, cada um dava um pouquinho. Às vezes falavam assim: “vai precisar de três sacos de cimento”, então a gente trabalhava para arrumar. Às vezes cada um dava um pouquinho, inteirava e comprava. Era uma comunidade modelo como as primeiras comunidades cristãs que tinham tudo em comum. As primeiras comunidades quando Jesus fundou a igreja, não faltava nada para ninguém, tudo era dividido entre todos. Então a nossa comunidade era assim, não tinha briga, fofoca, cada um trabalhava mais do que o outro.
Não posso deixar de falar do senhor Manuel Osório que morava lá na rua Lorena. Ele foi o Vicentinho que mais lutou por essa capela e foi o último que morreu também. Ele limpava a capela e saía nas ruas pedindo cera. Ele pedia também flor para colocar no altar. Ele punha uma jarra no meio do altar e o altar ficava sempre florido. Todo mundo doava flores que tinha no quintal. Às vezes na quinta, sexta-feira a gente pensava: “Tomara que essa rosa branca abra para o domingo. Domingo eu preciso dessa rosa”.