Meu nome é Conceição Gomes Muniz nasci em 30 de março de 1930, no bairro Bela Vista, em Belo Horizonte. Meu pai, Manoel Antônio Gomes, era lavrador e a minha mãe, Ana Teixeira Gomes, era do lar. Tenho dois filhos e quatro netos, três moças e um rapaz.
A maior parte da minha infância eu passei no Jardim Montanhês. Meu pai arrendou uma fazenda no Montanhês antes de eu nascer, ele trabalhou lá uma época morando na Bela Vista, depois que eu já tinha um ano ele foi para lá. Aí mudamos todos, minha mãe com os filhos, nós éramos oito. Na fazenda meu pai plantava horta para o Inácio, que era o dono da fazenda. Ainda lembro do carro de boi, a gente pegava traseira para ir para a casa grande. Meu pai tinha pomar, muita laranja, muito bananal, abacaxi, tinha tudo ali. Ele molhava a horta com água de um açude grande onde hoje é a BR. A gente também ia lá tomar banho, tudo lá era mato. Lá tinha muita cobra, às vezes a cobra passava pela gente na luz do dia. Porque bananeira e abacaxi chama cobra. Um dos vigias da fazenda ia todo ano para o hospital mordido por cobra, lá tinha todas as cobras que você pensar, cascavel, urutu, e minha mãe falava: “cuidado com as cobras”, porque tinha demais mesmo.
O Inácio mandava lenha para o meu pai vender, a lenha era empilhada e vendida em feixes. Meu pai vendia e depois acertava com ele. Muitas vezes chegava uma coitada dizendo “ô seu Manoel não tenho um pauzinho de lenha para acender o fogo lá em casa para fazer uma sopa”. Aí meu pai dava a lenha, ele era mão aberta. Meu pai era muito bom, uma pessoa caridosa.
Ali onde a Maria mora, um pouquinho para cima, é que a gente tinha a casa. Era na rua Carlos Góes com Pedro II, porém não tinha avenida aberta, não tinha nenhuma rua aberta. Parece que o dono da fazenda pensou assim: “O seu Manoel já está velho a dona Ana também, eles não vão demorar a morrer, então vamos deixar eles ficarem aqui.” Ele loteou a fazenda e fizeram o Jardim Montanhês, o Alvorada, o São José, a Vila Futura, tudo era uma fazenda só. A casa da mamãe ficava ali na Pedro II com Carlos Góes e quando ele loteou tirou uns oito lotes para o meu pai e minha mãe enquanto eles estivessem vivos. Depois que eles morreram o Inácio, que era dono da maior parte dos lotes, indenizou a minha irmã e ela mudou de lá. Aí que foram abrir a Avenida Pedro II. Logo que começou o loteamento o Inácio começou a fazer barracões para vender, aí ele vendia o lote com o barracão pronto.
Eu mudei da casa dos meus pais em 1957, casei eu fui morar numa casa pertinho deles. Depois de sete anos eu vim para aqui. O meu marido é de Esmeraldas e o pai dele foi um dos que comprou lote aqui para tentarem a vida. Aí ficaram sendo nossos vizinhos, a casa deles era na rua Alípio de Melo, da minha casa eu via a casa deles. A gente namorava só em casa, pois a minha mãe não deixava a gente sair. A diversão que a gente tinha era ir ver os rapazinhos jogar futebol.
Nessa época Belo Horizonte não tinha nada, meu pai tinha plantação de verdura e ia vender no mercado, a mercadoria vinha na carroça e a gente vinha de bonde. A gente pegava o bonde onde é a Igreja Padre Eustáquio, na rua Progresso com Padre Eustáquio ali era o ponto do bonde. A gente conhecia todo mundo, até o motorneiro do bonde. Ninguém tinha automóvel naquele tempo, só existia bonde. No centro por acaso você via um carrinho ou outro, de gente muito rica.
Lá no Jardim Montanhês tinha o campo de aviação e o pessoal ficava lá do campo apreciando a horta do meu pai, porque os canteiros pareciam desenhados à mão. O meu pai era tão conhecedor de plantação que a horta dele era um luxo, quem conheceu pode falar, muito bem cuidada. Ele toda a vida foi lavrador e todos os filhos ajudavam. As mulheres todas trabalhavam na roça igual homem mesmo, capinava, aguava, molhava, fomos todas criadas lá.
Ali onde é o campo de viação era uma vila que foi desapropriada. Com a construção do campo começou a vir um pessoal de Lago Santa, dos aeroportos de lá. Inclusive eu tive um cunhado que era tratorista que trabalhou nesse campo e conheceu a minha irmã trabalhando no campo.
Na infância a gente brincava de roda, pegador, tinha gangorra. Só tinha isso, não tinha mais nada. O primeiro cinema que eu conheci foi aqui no centro, isso a gente vinha de bonde e no caminho não via nada, só mato. O cinema era o Paissandu, onde hoje é a rodoviária. Eu lembro de ter assistido lá o Vento Levou, que na época eu gostei demais.
As famílias da minha mãe e do meu pai eram portuguesas e a minha mãe fazia muita bacalhoada. Na época de Natal tinha rabanada, que é tradição de família portuguesa. Tinha litria também, um macarrão fininho igual um fio de cabelo, você cozinha ele na água com açúcar, coa, põe no prato e coloca canela.
Estudo e trabalho
Eu estudei só até o primário na escola Professor Moraes. Naquele tempo para você fazer além do primário você tinha que vir para o centro, como a gente não tinha dinheiro para pagar o bonde para vir todo dia a gente não estudava. Com meus filhos graças a Deus foi diferente, todos dois têm curso superior, um é engenheiro civil e o outro é dentista. No meu tempo mamãe falava assim: “mulher foi feita para ficar dentro de casa com o marido”. Por isso sei bordar, cozinhar, fazer comida, doce, tudo. A mamãe falava: “tem que aprender a lavar roupa, costurar, passar e cozinhar”. A minha mãe dava o chinelo do meu pai na mão dele lavadinho.
Quando eu casei o meu marido falou: “não vai trabalhar”. Quando eu era solteira até costurava para fora, mas ele não deixou eu costurar para ninguém, “costura só para você, para mim e para os meninos”.
Padre Eustáquio
O Padre Eustáquio movimentou aquele bairro, porque Belo Horizonte em peso ia ver Padre Eustáquio. Ele fazia muito milagre. Eu vi ele benzendo uma menina dessas mongoloide, magrinha, os bracinhos e as perninhas magrinhas, ela mau ficava de pé. Eu estava na barraquinha da igreja e chegou um carrão e parou, aí todo mundo saiu das barraquinhas para ver o que era. No banco traseiro estava essa menina mongoloide deitada e o senhor que veio com ela disse que queria falar com o Padre Eustáquio. O padre já estava recolhido e nós perguntamos o que o homem queria. Ele disse que queria que o padre benzesse a sua filha. Aí fomos lá buscar o padre. Ele olhou dentro do carro para a menina e falou com o senhor: “tira a menina do carro”. Ele disse: “ela não anda, ela não fica em pé”. O padre insistiu e pegou a menina e pôs ela em pé no chão e a menina saiu andando. Gente mas o povo chorou, cantou, rezou, todo mundo ajoelhou. Essa menina saiu andando, eu vi com meus olhos, ela era mocinha já estava com 13 anos, por aí.
Naquele tempo o Padre Eustáquio andava de batina na rua, era muito conhecido, quando ele saía na rua quem estava dentro de casa acompanhava ele. Ele é santo mesmo, não sei como ainda não o canonizaram. O Padre Eustáquio era uma santidade.
Na época da guerra de 1945 a gente via as mães gritando: “Padre Eustáquio traz o meu filho de volta”. Nessa época ele já tinha morrido, porque ele morreu em 1943. Até hoje tem o quartinho dele lá no hospital, eu já fui lá muitas vezes, no antigo sanatório, hoje é o hospital Alberto Cavalcanti.
Quando eu estudava no Professor Moraes o Padre Eustáquio ia lá toda a semana fazer confissão. Naquele tempo os padres é que iam confessar os meninos, ninguém ia na igreja confessar. Quando ele adoeceu a gente ia lá ver ele, hoje você não entra dentro de um hospital fácil mais, naquele tempo a gente entrava. Ele era uma santidade e ficava ali naquela capelinha do Cristo Rei, que eles não desmancharam até hoje porque ele viveu ali.