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Depoimentos

Enviado por marina em 14/08/2012 14:50:00 ( 2039 leituras )

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Meu nome é Olinda de Freitas Carvalho, nasci em Belo Horizonte no dia 23 de novembro de 1923, no bairro Carlos Prates, passei toda a minha infância lá.  O bairro era a rua Suaçuí, onde eu nasci, a rua Contagem, para baixo tinha a bomba de gasolina, na rua Conquista, tinha uma casa que era de uma tia minha muito rica, ela foi dona daquela parte onde passa o elevado, onde hoje tem a escola do bairro. A trincheira que a gente entra ali e sai para o Barro Preto era tudo da minha tia. A Central do Brasil passava no fundo do terreno dela, aquilo era tudo desta minha tia, irmã do meu pai. Não era casa, mas um terreno, tipo uma fazenda mesmo. Atualmente a rua Conquista fechou por causa do metrô, ela não tem mais acesso para o Barro Preto. Ela tinha acesso por uma pinguela, depois colocaram uma ponte e era tudo da minha tia. O marido dela era agiota e se o povo não pagasse ele tomava mesmo e ele foi enriquecendo. Ele passou a ser dono de quase tudo ali.
Quando eu estava mocinha eu frequentei muito o cinema São Carlos que era o único que existia no bairro. Mais para cima tinha o palácio do Bizoto que ficava onde é o Sesc hoje. Aquela quadra toda era o palácio do Bizoto, era uma espécie de castelo. A família Bizoto morava lá e era pertinho de onde eu fui criada.
O bairro Carlos Prates é pertinho do Jardim Montanhês. Lá na rua Sabinópolis, onde eu morei fizeram um igrejinha, depois passou a ser cinema e mais tarde construíram a Igreja Matriz, que é a Igreja de São Francisco. Essa Igreja foi construída aos poucos. Eu casei nessa Igreja, ela é muito grande, pega quase todo o quarteirão, pega a rua Três Pontas até a rua Damião.
Na minha infância eu era muito levada, mas eu fui criada tendo que trabalhar fazendo o serviço de casa, porque minha mãe saía de casa para trabalhar. Nós éramos sete irmãos e cada um tinha que fazer uma coisa, eu tinha que levar marmita para os irmãos que trabalhavam na cidade. Eu tinha que fazer comida no fogão de lenha, tinha que catar lenha, então sobrava pouco tempo para brincar. Eu ia à pé entregar o almoço para dois irmãos meus na rua Rio Grande do Sul e levava o da minha irmã lá na rua dos Caetés, ela trabalhava em uma fábrica de bonés. De lá eu ia para a escola Lúcio dos Santos. Veja bem o sacrifício que a gente fazia, em casa tinha que fazer tudo, catar lenha, arrumar as coisas e cuidar dos irmãos mais novos. Quando eu era mocinha eu gostava de passear na pracinha. Não tinha muitas diversões, era ir na Igreja  mesmo. Toda a vida eu frequentei a Igreja.
Quando eu era mocinha meu pai trabalhava em um time de várzea que era o Carlos Prates, que era rival do Tremedal, igual Atlético e Cruzeiro. Meu pai era do Carlos Prates e ali onde era a fábrica de pregos, entre a rua Prados e Corumbá, tinha a sede do Carlos Prates, então papai levava a gente de vez em quando lá, mas ele não era muito de sair. 
Meu pai me adulava muito, eu era muito magrela e ele me levou no médico que falou que eu estava com sopro no coração, que era para tomar muito cuidado comigo senão meu coração parava. Dali eu aprontava tudo o que eu tinha direito e o que não tinha aí minha mãe me chamava a atenção e eu dizia: “ai meu coração”. Eu estava pintando mesmo. Até que um dia lá na escola a professora foi no outro gabinete atender uma chamada e eu comecei a brigar com um colega meu, uma briga doida, ele bateu em mim e eu bati nele. Aí a professora expulsou os dois, eu peguei minha pastinha e fui para casa. Cheguei em casa e disse: “oi mãe estou vendo a hora que meu coração vai parar”. Então ela disse: “senão parou vai parar é hoje”. Sentou a correia e depois me levou sem pentear o cabelo nem nada, me fez ajoelhar e pedir desculpas a professora. O coração não parou e eu tive que ser a melhor aluna, tirar as melhores notas, mamãe passou a ir sempre buscar meu boletim.


Casamento
Eu casei no Carlos Prates e fui morar perto do Colégio Batista, de aluguel. Lá nasceu meu filho mais velho. Logo depois eu mudei para a casa da minha mãe, no barracão lá no fundo. Meu marido estava desempregado e as coisas não foram boas para mim nesta época. Depois mudei para a vila de Santa Rita até que fui para o Montanhês, pagando aluguel. Nessa época eu voltei a trabalhar para o Estado, eu tinha 22 anos. Então meu irmão mais velho falou comigo: “você não vai pegar este dinheiro para ajudar em casa não. Você vai comprar um lote para você ter uma casa.” Aí nós compramos um lote lá no bairro Aparecida, mas muito longe, fora de mão. Depois eu vendi esse lote e comprei esse lá no Alípio de Melo. Aí eu pedi um empréstimo no Estado e construí minha casa, que está lá até hoje, uma casa grandona, muito boa. Aí os filhos foram crescendo, Tive seis filhos, perdi uma filha de vinte anos, foi um baque e tanto, época difícil para mim. Perdi ela e o meu marido no mesmo mês, ele morreu no dia 1° de maio e ela no dia 26, mas ela já estava doente. Nesse período que ela adoeceu eu tive que pedir licença do trabalho para cuidar dela.


Jardim Montanhês
Eu me mudei para Jardim Montanhês, mais ou menos em 1947, quando o meu filho mais velho tinha três anos e eu saí de lá em 1995. Vendi a minha casa porque fiquei sozinha. Os filhos casaram e eu fiquei sozinha. Nem conseguia dormir mais, fui três dias perseguida por ladrões fui ficando com medo e resolvi mudar. O bairro ficou perigoso por causa da favela e eu vendi a casa.
Quando eu meu mudei para o Jardim Montanhês eu me lembro que na rua Alípio de Melo morava a dona Luzia que já é falecida, era a primeira casa depois que cortava o mato. Logo depois tinha o Zé Muniz com o armazém, antes do Zé Muniz tinha a casa do seu Abílio, um armazém também. Eram os dois armazéns que tinham lá. Tinha também os portugueses que plantavam horta em casa, plantavam muita verdura, alface, almeirão, tinha até uma laranjas maravilhosas. Então a gente comprava muita verdura ali. Depois eles saíram, fizeram a avenida e indenizaram os moradores.
Quando eu mudei para o Jardim Montanhês não tinha água, nem luz. O ônibus, um vereador que tinha lá pôs o ônibus para passar pela casa dele, ele morava do outro lado, na Vila Minas Gerais, daí fizeram uma pontezinha para o ônibus poder passar para a rua Alípio de Melo. Eu pegava muito ônibus e o motorista chamava Sossego. Ele parava o ônibus e esperava a gente descer, era ótimo. O Sossego era uma pessoa muito boa, lá no grupo no final do ano a gente dava um presente para ele, ele era uma pessoa muito legal.
Os vizinhos quando a gente tinha uma precisão, uma doença, eles estavam sempre juntos. Quando a minha filha esteve doente eles me deram muita assistência.
Quando eu morei no Jardim Montanhês tinha o campo do Palmeiras que reunia os jovens que jogavam bola lá todo domingo. Tinha campeonato e tudo, era muito bom. Depois veio a avenida e acabou com o campo.
Meu marido não tinha serviço certo, um dia trabalhava, outro não, então todo biscate que podia eu fazia, costurei, passei, fazia muita roupa, fazia cachecol, fazia fronhas. Eu ia lá na avenida Santos Drummond comprava retalhos de pano e fazia fronhas e vendia para o pessoal amigo. Eu olhava umas coisas e fazia, costurava até tarde, tudo eu fazia.
Consegui com muito sacrifício que os meus filhos estudassem, essa menina que mora comigo é formada, a outra também, o mais velho não formou porque não quis, até os vinte anos eu mantive ele no colégio, a mais nova que mora em Sete Lagoas está no segundo ano normal. Eu sempre cobrava muito dos meus filhos nessa parte do estudo e eles falam que eu fui muito severa.  Mas é porque eu queria que eles estudassem, na época era muito caro e eu corria atrás de bolsa de estudo, então eu cobrava muito deles para não perder média porque era tudo pago.


Trabalho
Quando eu entrei para o Estado eu trabalhava como servente escolar no grupo Professor Morais. Depois fui trabalhar na escolinha na rua Alípio de Melo e, mais tarde, no grupo Eliseu Laborne.  A escolinha tinha cinco salas de aula. Eu trabalhava lá mais à noite, porque durante o dia ainda tinha que correr atrás e a noite eu tinha mais expediente. Eu morava perto da escolinha, então facilitava. A diretora era a dona Eli, ela morava perto da casa do senhor Sardinha. Ela ficou muito tempo na escola, depois que ela saiu entrou a dona Efigênia.


Padres
Onde hoje é a Igreja tinha um seminário e lá tinha os seminaristas. Quando chegava na época da ordenação o pessoal vinha do interior para cá, então a gente os acolhia nas nossas casas. Na época da ordenação eles ficavam na minha casa, foi um período muito bom, foram o Padre Euvânio e o Padre Silvânio. Primeiro foi o Padre Vicente e o Padre Leomar. O Padre Gregório não saía lá de casa, pescava junto com os meus irmãos.  O Padre Reinaldo criou o posto de saúde.


Crença
Quando era pequena a minha filha sofreu uma nefrite e ficou muito inchada, foi um período muito difícil para mim. Ela nasceu dia 5 de janeiro e dia 15 eu levei ela ao médico pela primeira vez por causa do inchaço. Ela não vestia calça nenhuma, nem meia. Tudo que foi possível fazer a gente fazia. Então o congado que vinha lá da grota ia passar, a minha filha devia ter cinco para seis anos e ela falou: “eu quero ver o congado”. Peguei ela com as pernas abertas e levei, os olhos dela não abriam de tão inchados. Então na hora eu vi que ela deu um sorriso então eu conversei com Nossa Senhora do Rosário: “ô Nossa Senhora minha filha tem que sarar, encaminha o tratamento dela, se encaminhar e ela melhorar eu vou levantar a festa de Nossa Senhora do Rosário”.  E as coisas foram se encaminhando, eu busquei médico, ela foi tratando, foi melhorando, até que ela ficou boa. Aí eu fui fazer a festa de Nossa Senhora do Rosário, eu prometi que todo mundo que chegasse tinha que comer e eu servi prato até dez horas da noite. A festa foi linda, contei com o apoio total da família, dos vizinhos, todo mundo colaborou.

 
Depoimento cedido em 16/05/2005
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