Sou Roberto Gomes dos Santos. Nasci em 10 de janeiro de 1954, em Belo Horizonte (MG). Desde pequeno, moro no Jardim Montanhês. É um bairro difícil de deixar. Eu, pelo menos, não consigo sair daqui, porque é onde tenho muitas amizades. A minha vida toda foi vivida nesse lugar. Só fiquei fora do bairro no período que passei a trabalhar com aviação, quando tinha por volta de 13 anos, e tive que viajar pelo Brasil todo, descendo do avião e saltando de paraquedas. Nessa época, também fui jogador de futebol nos times do Jardim Montanhês - o Prudentina e o Seleção Mineira.
Comecei a saltar de paraquedas aos 15 anos, mas há cinco não salto mais do jeito que eu saltava. Apesar de não saltar, continuo a olhar sempre para o céu. É o vício... Eu sempre fui uma pessoa que vivia olhando para o céu. Tinha vontade de voar e voar. Com o tempo, e com o aeroporto Carlos Prates do lado da minha casa, fui vendo pessoas saltarem de paraquedas. Todo sábado e domingo, eu ficava olhando os saltos e pensava que, qualquer dia, seria eu quem estaria saltando. Não demorou muito. Eu tinha medo, mas tinha muita vontade e saltei.
Acho que eu tinha uma vocação para o paraquedismo, mas é lógico que a localização do aeroporto me incentivou um pouco. A coragem nasce da vontade e, como eu tinha vontade de saltar, essa vontade substituía a coragem. Eu tinha muita vibração e já conhecia todo o mundo da área, porque eu era um grande admirador. Além disso, meu tio, chamado Manoelito, que tinha um apelido de "Didi Caminhão", trabalhava com aviação. Era mecânico e piloto. Na época, ele trabalhava no aeroporto, quando a aviação estava se iniciando. Para voar, nem precisava de Brevê (licença), e nem havia uma Federação de Paraquedistas. Os paraquedas não tinham luvas de frenagem. Eram chamados "caixa seca". Eles se abriam com um segundo e o paraquedista tomava uma pancada. Depois, isso foi evoluindo até criarem luvas para frear. O paraquedas passou a demorar de quatro a cinco segundos para abrir e a queda passou a ficar uma maravilha. Dá para curtir mais. Além do mais, os paraquedas antigos não eram muito navegáveis. Era um paraquedas que a gente fazia e tinha que ter uma técnica para sair do avião. Tinha que ser tudo certinho, não podia errar porque senão a gente caía na casa dos outros, fora do aeroporto.
Antes de começar a saltar, fiz um treinamento com o instrutor Santos, que já faleceu. Depois, fiz um curso com o pessoal da Brigada de Paraquedistas, numa área militar. Era um departamento especializado do Exército e, para participar, era preciso ser escolhido. Quando eu fiz o treinamento, era como se eu estivesse servindo ao Exército como voluntário. Posteriormente, fiz um curso de instrutor. Tinha que entender de aviação, saber como abandonar a aeronave em voo, porque quando se está dentro da aeronave está sujeito a erros, defeitos e acertos da própria aeronave.
Tendo feito o curso, pude ser instrutor. Mas eu voei demais: fiz mais de 850 saltos. Pratiquei esse esporte por 20 anos seguidos. Fazia também saltos ornamentais em festas de rodeio, exposições agropecuárias e festas políticas pelo Brasil todo. Era filiado ao Clube de Paraquedismo Paladinos do Espaço, que funcionava no Aeroporto Carlos Prates. Esse era um clube pioneiro em paraquedismo em Minas Gerais. Depois, criamos o Clube de Paraquedismo Eldorado, todos eles ligados à Federação Mineira, que, por sua vez, é ligada à Confederação Brasileira. Para saltar, era preciso seguir as normas da 3ª Zona Aérea de Aviação e ter Notans, uma autorização que coloca o espaço aéreo à disposição do paraquedista.
A gente fazia saltos de paraquedas pulando de um avião acrobático. Era uma série de acrobacias e, depois, o avião entrava no dorso, fazia um looping e a gente segurava o avião no dorso. Depois, nós caíamos e, mais abaixo, comandávamos o paraquedas. Tinha os saltos individuais e em grupo também, que é muito emocionante, porque dá para fazer estrelas, pegar, segurar um ao outro no ar. Mas conseguir ver a cidade de cima, voando com as minhas próprias asas - meus braços - é muito emocionante também.
Uma das apresentações que mais me marcou foi em Ituiutaba, numa festa agropecuária, onde estava presente Magalhães Pinto, além de vários cantores e artistas, como Sidney Magal.
Ser paraquedista
Eu era muito bem visto na vizinhança por ser paraquedista. Era tido como uma pessoa corajosa, diferente das outras. Até quando a gente fazia saltos no interior, era uma loucura: eu era como um artista, tinha até que dar autógrafo. Isso nunca vai sair da minha mente. Dá vontade de não parar mais. Se eu tiver tempo, condições financeiras e continuar tendo boa condição física, posso fazer tudo de novo. Esse é o meu interesse.
Instrutor de paraquedismo
Como instrutor, tive mais de mil alunos. Nunca trabalhei exclusivamente com isso, mas dava um bom dinheiro, apesar de este ser um esporte muito caro e eu considerá-lo mais um hobby que trabalho. É caro porque é preciso utilizar uma aeronave, que tem um custo muito alto, além de ter que alugar um paraquedas. No final, sai, em média, a R$ 250, 00 para casa salto.
No período que fui instrutor, eu e outros paraquedistas fizemos um consórcio de um avião para usarmos para lançamentos. A gente custeava o combustível, a manutenção e o piloto do avião, pagando uma mensalidade estipulada por nós mesmos. Era um grupo de 15 a 20 pessoas ligadas ao "Paladinos do Espaço", clube de paraquedistas pioneiro no estado de Minas Gerais.
Aurélio, meu irmão mais novo, também saltava de paraquedas. Ele foi influenciado por mim. O paraquedismo é uma coisa contagiante. Até as pessoas que ouvem falar em paraquedismo, que veem os saltos, ficam vibrando e têm vontade de fazer isso. Mas eu acabei parando de dar treinamento, porque dá muito trabalho. Hoje, o paraquedismo é um esporte bastante evoluído tecnicamente. Os paraquedas são mais seguros, mas é muito caro saltar.
Eu tive um colega do Jardim Montanhês que começou comigo no paraquedismo, o Ronaldo Ferraz. Infelizmente, ele sofreu um acidente, quebrou o pé e não pôde mais saltar. Muitas mulheres também saltavam e se deram muito bem no esporte.
Acidentes
Já sofri bastante acidente no paraquedismo. Na verdade, meus acidentes foram muito leves. Quando o acidente é grave, o paraquedista não resiste e falece. Comigo, já aconteceram várias panes, mas eu as tirava de letra. Em mais de 800 saltos, tive apenas três panes e algumas chegadas ao solo com mais violência, resultando num braço quebrado. Mas nunca precisei ser resgatado. Eu tinha uma navegação muito boa.
Atualidades
Eu estou pronto para saltar a qualquer momento. Isso é igual a andar de bicicleta, você não desaprende. Mas preciso de uma reciclagem, de uma garantia de que estou bem. Trabalho atualmente em uma gráfica, que tem o nome em homenagem ao meu irmão que faleceu - "Aurélio Editora Gráfica". Hoje, no Aeroporto Carlos Prates, infelizmente os cursos estão um pouco parados, o fato de ele ficar muito próximo a casas, o que pode causar acidentes de grandes proporções, fez com que as atividades aeronáuticas diminuíssem.
Com o projeto do Governo do Estado de transferir a sede administrativa para o Aeroporto Carlos Prates, o aeroclube deverá ser transferido para Betim ou para a Pampulha. Acho que o Aeroclube é parte física do bairro Jardim Montanhês. Se ele sair do bairro, as pessoas que conviveram com ele vão sentir muita falta. É importante que as pessoas saibam sobre sua história, as atividades de salto e os voos acrobáticos, que reuniam muitas pessoas no aeroporto aos domingos. Mas o certo é que o Aeroclube vai ficar para a história do Jardim Montanhês.