ir para o Museu Virtual Brasil
A+ A-

Depoimentos

Enviado por marina em 07/08/2012 11:00:00 ( 105510 leituras )

Meu nome é José Gabriel Ferreira Filho, eu nasci em Santa Efigênia, mas me mudei para o Jardim Montanhês com quatro anos de idade. Nasci em janeiro de 1956 e me mudei em 1960 para o Jardim Montanhês. Eu morei em vários pontos da região. Morei primeiramente na Avenida Ivaí, que não fica propriamente no Montanhês, depois, na rua Belo Vale, na rua Alípio de Melo e na rua Alvorada, que foi onde eu passei mais tempo. Então eu fiquei no Montanhês de 1960 até 1982.
A minha formação, boa parte da infância, adolescência e juventude foi no Montanhês. A minha formação política, musical e literária, foi no Montanhês. E tinha uma efervescência nessa época, final da década e 60 até meados de 70, era um bairro efervescente.
Tive uma infância pobre, eu era filho único e perdi a minha mãe com 6 anos de idade, meu pai trabalhava fora e era então uma infância, totalmente livre. Passava o dia na rua, e a grande diversão era brincar no campo de aviação, jogar bola lá em cima, ver aviões, essas coisas. E tinha uma turma boa de meninos que brincavam na rua. Então brincávamos de mãe da rua, pegador, garrafão, bolinha de gude, papagaio essas coisas todas. Mas foi uma infância interessante. A região tinha muito mato, pouco asfalto e a gente caminhava para a mata, chamada na época, de mata do Alípio de Melo, era uma mata grande. Então era isso, foi uma infância feliz, apesar das adversidades.
Eu tinha um contato com futebol, mas eu nunca fui apaixonado pelo futebol, nunca fui bom de bola, mas me lembro que a gente montou um time de futebol, durou pouco tempo e se chamava Alterosa Futebol Clube. Mais adiante nós montamos um time de futebol de salão, era mais farra que futebol mesmo, chamava Gequitirana Futebol de Salão, Bar e Clube, que era o nome do time, que também não durou muito, a minha experiência com futebol foi essa. O legal era assistir aos jogos, os adultos, tinha muito campo de futebol por ali, tinha os chamados, festivais de futebol, no domingo inteiro, com o campo enfeitado de bandeirolas, mobilizava o bairro todo.
Tinha uma outra diversão aqui no bairro, que eu me recordo, que até sumiu do bairro, que era o paraquedismo, tinha muito campeonato de paraquedismo. Um esporte elitista em um bairro pobre, então a gente tinha acesso para ver isso de graça. Pulavam do aeroporto, mas sempre caiam no aeroporto, era interessante. Eu me lembro de alguns acidentes com paraquedista, e com aviões também, a nossa infância foi marcada por vários acidentes com aviões que caiam nas imediações.

 

Escoteiros
O grupo dos escoteiros foi fundado pelo Padre Henrique em junho de 1968, eu tinha 11 anos, e logo que começou eu entrei. Eu já tinha contato com o Padre Henrique, conheci ele em maio e logo depois apareceu o convite para começar essa experiência, e em julho foi feito o primeiro acampamento, no Engenho Nogueira, que na época era completamente isolado da cidade, não existia a Catalão, por exemplo, então para gente era uma aventura, era como acampar em uma mata selvagem. Começou com duas patrulhas de oito, então éramos 16, chamávamos, patrulha Leão e Águia, era um grupo de escoteiro e ia dos onze aos quinze anos. Mais tarde formaram mais quatro patrulhas, que iam dos onze aos quinze, dos escoteiros júnior. Mais tarde os Lobinhos, e foi formada uma alcateia, de sete a onze anos, e mais tarde, formaram-se grupos de escoteiros sênior de quinze aos dezoito anos. Eu entrei na patrulha Leão, e logo depois foi formada uma terceira patrulha, que foi a Lobo e eu fui para essa. Eu entrei como sub monitor da patrulha Leão, depois monitor da patrulha Lobo e depois aos quinze anos me tornei guia, que é uma escala intermediária entre o chefe e as patrulhas, e mais tarde chefe. Teve ainda uma turma dos dezoito aos 21 anos que era formada por esses que entraram com onze anos e foram ficando, que se chamava Pioneiros. Então eu fiquei dos onze aos 21, no Grupo Escoteiro Jardim Montanhês, o numero de registro dele era 23, porque tinha registro, e passaram mais de cem pessoas pelo grupo. Depois que eu saí ainda continuou, o Padre Henrique se mudou para Goiás, e depois para o interior de São Paulo, mas o grupo continuou por muitos anos.
Tinham as reuniões semanais, as reuniões eram aos sábados, à tarde, a gente construiu uma sede dentro do terreno da igreja, e tinham essas reuniões constantes. Tinha também a prestação de serviços na grota, a grota era uma favela, que hoje é o bairro São José, na época já devia chamar bairro São José. Então tinha o trabalho de recolher roupa, no inverno, mantimentos, alguns que tinham uma queda para enfermagem prestavam esse tipo de serviço, como aplicar a injeção. Teve também um trabalho importante, ligado ao escoteiro, durante três ou quatro anos, que foi trabalhar na Febem do barreiro, com as meninas, tinha uma casa que chamava “Casa das Meninas”, era a ala feminina do barreiro, e esse trabalho era visita aos domingos, a gente ia pra lá, uma turma com os mais velhos, acima dos quinze anos e lá a gente desenvolvia atividades com elas, jogos de vôlei, peteca, teatro e chegamos até a fazer um acampamento, foi um trabalho interessante, que ocorreu mais ou menos em 1972.
Existe no escotismo algumas coisas em que você se especializava, eram as especialidades, por exemplo, você podia se especializar como músico, ou como enfermeiro, ou sapateiro, ciclista, mensageiro, então tinha uma série de coisas de acordo com o seu gosto, com suas habilidades e tinha uma série se critérios, provas que você tinha que fazer e você recebia um distintivo no uniforme com aquela especialidade. Então tinha gente com várias especialidades, por exemplo, nadador, bombeiro, fotografo. Eu tinha de ciclista, sapateiro, nadador, eu sei que eram cinco, não lembro as outras duas.
Durante o acampamento tinham tarefas cotidianas, o cozinheiro, um responsável pela água, outro pela limpeza. Essas revezavam, mas essas não tinham nada haver com as especialidades. Eram tarefas cotidianas do acampamento.
Fizemos vários acampamentos, mas nós éramos um grupo de escoteiros pobre, a gente acampava então sempre por perto, porque na época também perto se encontrava muito mato, então a gente acampava na mata do Alípio de Melo, que é uma mata muito bonita. A gente acampava em Pedro Leopoldo, Lagoa Santa, Nova Lima, Rio Acima, nessa região da grande BH, nenhum acampamento muito longe não.
O primeiro acampamento foi o que mais me marcou, justamente por ter sido o primeiro, foi no Engenho Nogueira. A sensação de dormir em barraca, longe do pai, com crianças da minha idade, foi muito marcante.
Nos escoteiros júnior, sempre ia um acompanhante, geralmente um pai, agora os de sênior não, podia ir, ou não, mas o de júnior, dos onze aos quinze anos, tinha uma obrigação legal, tinha que ter um adulto, muitas vezes um dos pais dos escoteiros. Tinha encontro com os pais, em algumas festas e isso é interessante, no ponto de vista da comunidade, porque reunia a comunidade, os pais se reuniam. Tinha uma tal de comissão executiva, que eram cinco pais que comandavam a parte financeira do grupo, operacional, esses se reuniam com mais frequência. Agora os pais se reuniam periodicamente e isso era interessante e no aniversário do grupo, na data de aniversário do grupo faziam uma festa no salão paroquial, onde se projetava os slides das atividades do ano, apresentação de músicas, de teatro.
O Padre Henrique deixou o grupo em dezembro de 1977. Quando ele saiu, ele se mudou para Goiás, foi o Pedro Dias, um rapaz lá do bairro, que manteve o grupo por alguns anos. O grupo acabou, mas nunca mudou de lugar até isso acontecer.
As coisas na minha vida são divididas, antes do escotismo e depois. Antes do escotismo tinha uma família vizinha, de sobrenome Melo, que tinha três meninos na família, que foram os mais próximos, chamados, Lúcio, Lézio e Luis Cláudio, mas depois do escotismo o leque abriu, de companhias, de amigos, conheci o Oscar, o Odair e o Ademar, Houve uma época que quase todas as crianças do bairro participavam do escoteiro, ou pelo menos passavam por lá, uns ficavam, outros não, mas tinha muita gente.
O escoteiro representou muito na mina vida, pois me disciplinou. Outra coisa foi acampar, desenvolver esse gosto pela natureza que eu nunca mais perdi, acampar, fazer jornadas. Talvez o melhor do escotismo, a essência do método é o fazer por si mesmo, se virar, e isso para crianças naquela idade, aprender a se virar foi uma coisa interessante. Você ser independente no sentido de que, “se você não cozinhar, você não come,”, “se você não lavar vasilha, você não vai ter vasilha limpa para comer” e paralelamente a isso, muito mais pela influencia pessoal do Padre Henrique, do que do escotismo, propriamente dito, o contato por exemplo, com música clássica e pintura. Eu gostava muito de música. Então a gente ouvia Hengel Bart, ele não pintava, mas ele mostrava pra gente os pintores holandeses, por exemplo. Agora, o que ele fazia e que influenciou uma turma, era a fotografia, fotografava bem, gostava, era um hoby, e muitos entraram nessa.

 

Literatura
Eu não sei como eu despertei para a área da literatura, eu acho que isso é uma coisa nata. Eu fiz o primário em um grupo que se chamava Escolas Reunidas Eliseu Laborne e Vale,  que hoje é o grupo escolar Eliseu Laborne Vale. Hoje ele tem um prédio bacana, mas na época era um barracão, e lá houve um concurso literário, um concurso de redação, quando eu estava na quarta série, e o melhor texto seria publicado no Estado de Minas, o meu texto foi o contemplado, e eu acho que aí começou essa coisa de querer ler e escrever.
Eu pegava alguns livros com os irmãos do Osias, que eram da minha idade e de outros, biblioteca não, biblioteca eu só fui descobrir no Colégio Padre Eustáquio, mais tarde, no grupo não tinha biblioteca.
Depois eu continuei a escrever, mas sem participar de concursos, bem mais recentemente é que voltou essa história de concurso. Eu escrevia por prazer. Poesia e depois contos. Participei de outros concursos depois, já mais velho. Participei do concurso da cidade de Belo Horizonte, e dois contos foram selecionados e publicados. Esse concurso foi em 1990, mas incrivelmente só foi publicado em 2001. Eu tive uma coluna em um jornal, eu escrevia sobre acampamento, escotismo, vida ao ar livre. Escrevi por um período, mas eu nunca levei a sério esse negócio de publicar. Hoje eu sou professor de biologia. Fiz o curso na Federal de Ciências Biológicas e essa parte literária ficou abafada, publiquei outras coisas, mas na área de biologia, mais propriamente ecologia. Publiquei em jornais, revistas, congressos, simpósios, mas são publicações técnicas.


O Montanhês hoje
Hoje eu não moro mais no Jardim Montanhês, mas tenho parentes que moram lá. Hoje eu vejo com uma certa nostalgia, uma descaracterização do bairro, a Avenida Dom Pedro II, com galpões, muitas garagens, ficou muito feia, muitas oficinas, ferros-velhos, então eu fico nostálgico. O bairro ficou muito feio, pouco verde, poucos terreiros, pouca arborização de ruas, um bairro muito árido.

 

Depoimento cedido em 27/09/2004

Imprimir Enviar artigo para um amigo Criar um arquvo PDF do artigo
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Escritório de Histórias
Rua Monteiro Lobato, 315 sala 402 - Bairro Ouro Preto - Belo Horizonte- MG Cep: 31310-530 Telefone: 31 3262-0846

Entrar | Créditos
Bertholdo © 2009