Meu nome é Francisco Augsten. Nasci no Rio de Janeiro, na cidade de São Mateus, em 15 de março de 1927. Meu pai, Gustavo Augsten, era austríaco, e, minha mãe, Madalena Augsten, veio da Suíça. Eles chegaram aqui no Brasil em 1918. Vieram da Alemanha com quatro filhos: Guilherme, Gertrudes, Margarida e João. Os outros quatro nasceram aqui no Brasil: eu, Max, Vitória e Valdete.
Viemos para o Brasil e ficamos morando no Rio de Janeiro, em São Mateus. Depois é que viemos para Belo Horizonte. Eu ainda era pequeno quando papai comprou um terreno no Jardim Montanhês e começou a criar vacas, porcos e abelhas. Era uma chácara com dez lotes. Além de criar esses animais, meu pai ainda trabalhava fora, na Siemens, uma oficina no bairro Floresta. Minha mãe cuidava das hortaliças e a gente fazia de tudo: capinava, recolhia esterco no curral das vacas, soltava os bezerros, buscava as vacas, capinava em volta dos pés de laranja. A Gertrudes, minha irmã, desnatava o leite e fazia a manteiga e a Margarida cuidava da lavagem das latas e das duas carroças de leite. Nós vendíamos leite, manteiga e mel. Quando inventaram o pacote de 250 gramas de manteiga, havia uma foto de uma vaca na capa. As coisas eram muito organizadas. Depois, o pasto foi acabando e nós continuamos só com a criação de abelhas.
A Casa das Abelhas
No ramo de abelhas, nós somos os mais antigos de Belo Horizonte. Nessa época, acho que éramos os únicos da cidade que criávamos abelhas. Elas ficavam aqui no quintal. Meu pai era muito organizado com a criação e anotava tudo. Ele criava abelhas em Belo Horizonte, Betim, Esmeraldas e Juatuba. Em Belo Horizonte, na minha casa, só ficavam as abelhas mais fracas. A maioria ficava fora da cidade, cerca de 400 colmeias.
Meu pai sabia quantos anos uma rainha ficava na colmeia. Geralmente, a rainha vive de três a quatro anos, a abelha, 45 e, o zangão, vive 65 anos. Ele tinha tido experiência nisso quando morava na Alemanha. Lá, ele tinha algumas caixinhas de abelha, mas como é uma região fria, produzia pouco. Depois que eles vieram da Alemanha e foram morar no Rio, ele começou a criar abelhas.
As colmeias do meu pai eram todas numeradas. Havia, também, criação de rainha. Existe um tipo de rainha que vinha da Itália, a rainha amarela. Quando ela chegava aqui no Brasil, ela fecundava com um zangão mais escuro e, os filhotes, ficavam mestiços e bem mais bravos. Ele queria fazer uma criação de abelha mais amarela, mas era difícil. Sempre ficava misturado.
Antes de mexer com as abelhas, é preciso usar o fumegador para fazer fumaça. Assim, elas ficam calmas. É preciso ter cuidado para destampar. Não pode bater na caixa. Quando fazemos a fumaça na parte de cima, elas descem para a caixa de baixo. Então, dá para tirar o mel de cima, onde tem poucas abelhas. Tiram os favos cheios e colocam os vazios. Criar abelha dá trabalho.
Na parte de baixo da minha casa, ficava a loja "Casa das Abelhas", onde vendíamos o mel em copinhos e em vidro rotulado e favo. O pessoal do bairro sempre comprou mel. Os meninos da escola, dos cursos primários, vinham para fazer excursão quase todo mês, quando eles estavam estudando sobre abelhas. Às vezes, vinham padres do seminário também, para estudar o assunto. Realmente, a "Casa das Abelhas" era muito citada no bairro. Mais recentemente, o pessoal começou a se interessar por própolis, geleia real e pólen. Descobriram que eram produtos medicinais.
Depois que papai faleceu, nós continuamos criando abelhas. Meu irmão João tem criação em Santa Bárbara e no bairro Nacional, aqui em Belo Horizonte. Em Santa Bárbara, existem muitos criadores de abelhas.
Da abelha ao mel
As abelhas têm preferências por flor pequena. Elas viajam cerca de três a quatro quilômetros. Quando amanhece o dia, as abelhas saem para trabalhar. Quanto mais quente estiver, melhor. Uma sai, a outra entra, é aquele movimento, mas sempre elas voltam para a mesma casinha, para a colmeia, que são colocadas com distância de cinquenta centímetros entre elas. Da flor, elas colhem o pólen, que é a alimentação da larva.
Dentro de uma colmeia, que é um verdadeiro laboratório, há a abelha operária, o zangão e a rainha. A abelha operária é a que mais produz; o zangão serve para a fecundação; e, a rainha, é quem comanda tudo lá dentro. As próprias abelhas percebem quando a rainha pára de produzir ovos e, então, elas criam outra abelha rainha. Elas criam duas ou três rainhas. Quando uma nasce, ela briga com a outra, para ver quem fica com a colmeia. Só sobra uma. A rainha é magrinha e comprida. Seu tamanho corresponde a quase duas operárias. É muito perfeita a criação de abelhas.
Quando chega a época de calor, aparece muito enxame. Para pegar um enxame, é assim: você prepara uma caixinha, com uma cera velada dentro. Pega um capim cidreira e esfrega dentro da caixa. É a coisa mais interessante: quando vem chegando um enxame, primeiro chegam umas dez abelhas, averiguando. É igual a um casal procurando um barracão ou uma casa para alugar. Elas rodeiam, ficam em volta, gostam e, de repente, chega o enxame e elas entram. Esse enxame vem com a rainha, com o zangão e com as abelhas operárias. Então, é preciso colocar cera para elas, um pouquinho de mel e levar a caixa para a roça, onde tem a criação de abelhas.
Quando está chovendo, as abelhas ficam bravas. É melhor mexer só na época de calor, que é quando elas ficam mais mansas. A gente tem tudo preparado: o fumegador, a máscara, as botas, tudo para a proteção. Deve-se trabalhar em dupla: um faz fumaça e, o outro, vai olhar se tem rainha e se está na época de colher mel. As melhores épocas para se colher o mel são julho, agosto e setembro.
O mel, para ser bom, tem que vir de longe da cidade, pelo menos uns cem quilômetros, porque, se for na cidade, as abelhas podem ir nas fábricas de doces e de bebidas e aí já não é o mel puro mais. É preciso que ele seja colhido maduro, que é quando o favo está todo fechado. Quando acontece isso, deve-se tirar os favos cheios e colocar os vazios no lugar. A gente tira uma casquinha por cima do favo cheio, com uma ferramenta, e o coloca dentro da centrífuga. Ao rodar a centrífuga, o mel se desprende do favo e cai no fundo. Ele passa por uma peneira, é coado, engarrafado e vendido.
Francisco Augsten
A criação hoje
Aqui, em Belo Horizonte, só meu irmão e um sobrinho dele criam abelhas. A maioria delas fica em Santa Bárbara. Mas o problema de criar abelhas hoje é que estão roubando as colmeias. Um dia roubaram dez do meu sobrinho e 20 do meu irmão. Eles vendem o mel para a cooperativa, mas ela paga barato pelo mel, embora exportem para Japão, Itália e Alemanha.
II Guerra
Durante a II Guerra Mundial, em 1945, meu pai e meu irmão Guilherme foram presos. Chegaram em casa dois detetives, todos de chapéu e gravata. Perguntaram-nos se a gente tinha um rádio de transmissão de informações para Alemanha. Naquela época, tínhamos um grupo de gerador na parte de baixo da casa, um motorzinho, que fornecia luz para o bairro. Mostrei a ele e destampei todas as caixas de abelha, para que ele olhasse. Eles entraram dentro de casa, puxaram as gavetas e, como eles eram policiais, a gente não podia falar nada. Eles levaram as fotografias, os jornais da Alemanha e até fotos das vacas. Tinha foto da gente brincando em cima do porco, de meu pai tirando leite das vacas... Tudo isso eles levaram e ainda o rádio e o telefone de câmbio, que estava na parte de baixo da casa, para consertar.
Depois de dois anos, eles devolveram o rádio e o telefone, mas as fotografias, as revistas e os jornais ficaram por lá. Para levar as coisas, eu e meu irmão tivemos que colocar tudo no carrinho de mão e levar até o ponto do bonde. Meu pai e meu irmão ficaram presos por 15 dias, aproximadamente, mas eles não foram maltratados na prisão.
Naquela época, nós trabalhávamos com construção e a gente estava fazendo uma instalação num prédio. Quando meu pai foi preso, ficamos eu e outro irmão mais novo, para acabar o serviço.
Eu tenho um cunhado, que também é descendente de alemão, que tinha um armazém na rua Platina, no bairro Calafate. No período da guerra, o pessoal quebrava as lojas de japoneses e alemães, aqui na cidade. Com meu cunhado, não foi diferente. Eles queimaram a carroça, um tanto de capim que tinha na carroça, jogaram mantimentos pela rua, para o povo pegar. Só depois é que a polícia impediu.
O Montanhês
Há muitos anos, a gente mora no bairro. No início, era tudo mato. Eu era menino e juntava com dois ou três amigos para catar uma frutinha chamada gabiroba e araçá. Também costumava pegar passarinho e pescar no córrego. Boa parte do Montanhês era pasto da família Alípio de Melo. Só depois é que eles começaram a abrir as ruas. O primeiro ônibus passava na rua Manhumirim. Antes, havia o bonde. A rua Padre Eustáquio era chão ainda. Depois é que as ruas foram calçadas. Naquela época, vendia-se lote barato.
Hoje, eu vejo o bairro grande, ele cresceu muito. Eu acho que ele podia até estar melhor, ter um comércio melhor. A gente vê que vem gente lá do alto da capelinha para comprar um pão aqui.