Sou Hilda Gomes dos Santos, moradora do Jardim Montanhês. Cheguei no bairro com oito meses de idade. Nasci em Congonhas do Campo e vim muito nova para cá, para morar com meus pais de criação. Sou de 13 de julho de 1932. Meus pais são João Gomes Diniz e Maria Eliza de Santana. Eles vieram para o Jardim Montanhês em 1924, onde moravam numa casa sem alicerce, parecida com uma casinha de joão-de-barro. Quando o bonde chegou no bairro Padre Eustáquio, meu pai passou a fazer peças e a dar manutenção nos primeiros bondes que passavam por lá.
O Jardim Montanhês se chamava "Vila Minas Gerais". Onde hoje está situado o Campo de Aviação havia algumas casinhas. Muitas famílias choraram porque foi preciso destruir suas casas para construir o aeroporto. Muitas lágrimas rolaram. Jogaram tudo no chão. Meu pai foi com a gente até lá, com um carrinho-de-mão, e pegou um pouco daqueles tijolos para fazer casinha para o cachorro.
Nessa época, quando chovia, dava muita enchente, porque rolava aquela enxurrada muito forte e não havia ruas bem feitas. Era tudo terra. Então a água fazia uns buracos enormes. Não havia muitas casas, mas elas foram divididas em lotes de 400 metros, feitos no terreno onde era a fazenda do Clóvis e do Inácio Andrade de Melo.
Próximo à minha casa fica a igrejinha do Cristo-Rei, onde o Padre Eustáquio celebrava missas. Eu me lembro que eu era pequena e via aquela multidão que vinha receber bênçãos dele. Até eu mesma cheguei a tomar café-da-manhã com ele. Essa igrejinha pertence ao Celeste Império. Depois, começaram a construir a Igreja de Sagrados Corações, no bairro Padre Eustáquio. Eu era mocinha e costumava passear no adro da igreja, com as colegas. Lá, algumas pessoas faziam barraquinhas para ajudar na construção e a gente comprava muitas coisas. Tinha um tipo de barraquinha que era uma espécie de prisão. Eles levavam os casais e diziam que estavam presos. Então, era preciso pagar para tirá-los de lá.
No bairro Padre Eustáquio, havia também o cinema que a gente não podia faltar. Mas quando chegava em casa, era preciso contar para o meu pai o que eu tinha assistido.
Quando tinha 15 anos, comecei a trabalhar na Metalgráfica Mineira. Minha mãe não queria deixar, mas o meu tio a convenceu. Lá, eu fazia serviço de homem, mexia com soldas e com estamparia. Fazia o serviço de prensa, que deixava muita gente sem dedo, mas não eu.
Cresci no Jardim Montanhês, sem irmãos. Eu tenho muita lembrança da minha escola, a Professor Moraes, que tinha uma diretora que era maravilhosa comigo, a Benedita Ofélia Mendes da Costa. Ela era uma segunda mãe para mim. Lembro-me, também, das brincadeiras de pique, peteca, pular corda, enconde-esconde... Eu me escondia atrás da minha mãe e ela falava: "Menina!" Mas eu pedia a ela para ficar quietinha. Todo o mundo passava e saía, não me achavam de jeito nenhum.
A rua Alvorada, onde eu cresci, ficava cheia de moças bonitas, brincando. Não havia distinção, brincavam todas juntas. Quem estava namorando escondido brincava para ver o moço na rua. Era bom demais.
Eu e minha família fazíamos muita viagem. Meu pai dizia: "Nós somos três agora, então vamos arrumar a mala e visitar a vovó." Ela morava em Jeceaba, próximo a Congonhas. Era uma viagem maravilhosa, de "Maria-fumaça" - um trenzinho gostoso que jogava bastante carvão para trás, sujando a roupa de todo o mundo. Meu pai falava que não era para passar a mão na roupa, mas para sacudir o pó. Eu achava muito bonita aquela máquina que levava lenha e fazia fogo, e também o apito de trem. Depois de toda a viagem, era maravilhoso chegar na estação e encontrar meus tios.
Minha mãe contava várias histórias maravilhosas. Tinha muito diálogo na nossa família. Ela vivia contando histórias passadas, como era sua vida, o que ela tinha que fazer, que mexia o tacho com caldo de cana para fazer rapadura, e eu gostava de ouvir.
Família
Casei-me, em 1950, com Aureliano Rodrigues dos Santos. Ele é de Poté, próximo a Teófilo Otoni. Eu morava no Jardim Montanhês e, como ele também se criou no bairro, a gente foi tomando amizade. Ele passava muito na rua da minha mãe - a Alvorada de Minas, 143 - e, um belo dia, a gente se conheceu. Em oito meses, namoramos, noivamos e nos casamos. Eu estava com 18 anos. Tivemos sete filhos. Foi bom, porque o casamento tirou a responsabilidade dos meus pais. Eles tinham muito medo. A gente não podia sair muito, tinha que saber com quem saía, tinham um ciúme tremendo.
Dois dos meus filhos foram paraquedistas - Roberto e Aurélio. Uma vez, Roberto falou que ia saltar de paraquedas e eu subi o morro da minha casa correndo, para impedi-lo, mas ele me pediu para eu segurar o relógio dele e agradeceu por eu ir fazer companhia para ele. Aí ele me convenceu e acabou saltando. Eles participaram da fundação do Paladinos do Espaço, um clube de paraquedismo. Havia, também, um outro rapaz chamado Hugo que participou ativamente com eles da fundação. Eu me sentia muito mal quando eles iam saltar, mas eles eram filhos maravilhosos, então acabava cedendo. Atualmente, eles não saltam mais.
Hoje, eu e uma amiga trabalhamos com frango. Compro o frango, mato, arrumo e vendo na feira coberta da rua Pará de Minas. Idade não tem nada a ver com trabalho. Eu estou com 74 anos e não quero ser velha. Deus deu saúde, então você tem que ir em frente, fazer alguma coisa. Meu marido se aposentou, mas também continua trabalhando, no mesmo lugar onde ele trabalhou a vida inteira.
Depoimento cedido em 24/06/2005