Meu nome é Eugênio Gomez, nasci em Joinville (SC), no dia 30 de junho de 1950. Mudei-me para o Jardim Montanhês aos 5 anos, e de lá saí aos 28 anos. Foi sensacional a minha infância dentro do bairro, e não muito boa, ou péssima, fora dele. Poderia dizer que o Jardim Montanhês salvou a minha vida! Jogávamos futebol sete vezes por semana, lá havia quatro campos de futebol. Tínhamos amigos e turmas de primeira qualidade: o verde exuberante e as grandes amizades foi talvez o que de melhor aconteceu na minha vida. O que me chamava a atenção era a população: solidária, corajosa, generosa, quase pobre, na qual pude, desde cedo, avistar com microscópio toda a dramaturgia humana.
Estudei num grupo de um bairro próximo e, depois, sete anos seguidos no Colégio Santo Antônio, na zona sul, onde, em ambos, me estrepei. Morava numa casa espaçosa e simples, com muito quintal e árvores. Meu pai era bancário e diretor do sindicato muito atuante na época e, por isso, nunca teve uma única promoção. Minha mãe tinha grande status no bairro, pois era professora de curso primário, o que na época tinha grande importância. Aos 12 anos fundamos o Titanus, eu, colegas do colégio Santo Antônio e, o resto, meninos do bairro. Foi uma ideia conjunta. Mais tarde meu pai, grande entendedor de futebol, veio a ser o técnico, durante 10 anos. Pessoalmente, nunca participei de nenhum grupo de jovens. Participei sim, de festas e horas dançantes, serenatas e rodas de samba. As festas eram bobas, horas dançantes, onde tomava-se muito chá de cadeira, nós os rapazinhos: aquele tempo era ruim de mulher.
Aos 16 anos fiz minha primeira música. Sonhava compor um dia como Adelino Moreira, e, um pouco mais tarde, como Osias, Danilo e Geraldo. Hoje vejo o Jardim Montanhês como o vi na canção "Infância". No Jardim Montanhês ou em outro bairro qualquer, eu comporia de qualquer jeito, o Osias também, e a obra seria quase a mesma coisa. É verdade que a minha melhor música foi feita para o Jardim Montanhês, se eu morasse no Carlos Prates certamente não teria feito uma homenagem ao meu bairro, já pensou gastar harmonias com o Carlos Prates? No Jardim Montanhês, a natureza arrebentava-nos as retinas de tanta beleza e a gente humilde de lá era o que de melhor cheguei a ver no meu meio século de existência aqui na terra.
Ouça a música "Infância" (Eugênio Gomez)
(risco no azul
:urubu
lento
na varanda, depois do café
urubu na vertigem do azul
o dedo no nariz
quando a vida era minha)
Aquela mulher
lavando sua trouxa na correnteza
as coxas de fora, tudo era beleza
como por exemplo, o entardecer
pois era de fato
a tarde caindo a fatal maravilha
as nuvens douradas de sol, feito ilhas
no céu de verão do Jardim Montanhês
No fim desse dia
os sons que se ouvem
são pios de jia
o mato estalando
moleque assovia
calango - carreira - a pedra na mão
Perfume mesclado
de flores do campo
e pasto de vaca
que assim-sempre-seja
essa paz sertaneja
galinha cavaca
minhoca no chão
Pra onde voou
o doce pardal da infância, menino
o que é que foi feito daquele destino
sonhado nas mansas tardes de verão
Porque hoje em dia
eu nem posso rever o Jardim Montanhês
onde agora a BR vai desimbestada
era um prado, era um campo forrado de flor
e sem nenhum lirismo
eu queria pedir para aquele menino
ir pra casa dormir, que o sol já vai caindo
vai, rezar pro dia não amanhecer...