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Nascido em Belo Horizonte, Haroldinho Mattos lembra-se com carinho do bairro onde viveu por cinco anos na capital mineira, o Jaraguá. O interesse pela música foi despertado pela família, da maneira mais simples: o pai, artista plástico, gostava de música clássica; a mãe, poeta, ouvia música popular. E Haroldinho ouvia ambos os estilos em companhia dos pais.

 

O primeiro contato com o som da guitarra foi através de um disco dos Rolling Stones, “Stick Fingers”, trazido pelos pais de uma viagem à Europa para os irmãos mais velhos. “Quando ouvi aquele sonzinho, fiquei encantado, não sabia o que era, mas aquilo pirou minha cabeça. Depois, meus irmãos levaram um garoto lá em casa com uma guitarra e eu vi aquele instrumento de perto. Fiquei encantado desde aquele momento.  Mas fiquei só na vontade, né?” Com a separação dos pais, a mãe decidiu morar em Brasília, e o então garoto de cinco anos mudou-se para a capital do país com o irmão Paulinho. Haroldinho ouvia Pink Floyd nos discos que ganhava em seu aniversário, e lembra-se da guitarra melódica de David Gilmore como algo que marcaria seu jeito de tocar o instrumento. Mais tarde, aos nove anos, a mãe o presenteou com um violão, e o irmão ganhou uma escaleta. Os dois compuseram uma música para ela, e a mãe se encantou com o interesse que ambos demonstravam pela música.

O garoto Haroldinho gostava de andar olhando para o chão, e assim acabava achando um dinheirinho. Começou a juntar as notas e moedas que encontrava, além do que ganhava da mãe e, um ano depois de ganhar o violão, já tinha quase o suficiente para comprar uma guitarrinha de pilha que “namorava” numa loja da Asa Sul, a Casa Maestro. “Namorei essa guitarra um ano inteiro; o vendedor já não aguentava me ver na vitrine!” No aniversário de dez anos, a mãe completou o que faltava e, finalmente, Haroldinho teve a sua primeira guitarra.

“Aprender a tocar foi outra etapa: na época, nem se tinha muito acesso às revistinhas cifradas, tão comuns hoje em dia. Começamos mesmo do zero, brincando. Um amigo ensinava um acorde de Mi, outro ensinava um de Lá, e daqui a pouco estava tocando três acordes, quatro, e assim foi. Foi na marra mesmo”. Autodidata, Haroldinho aprendeu a tocar o instrumento pelo qual se apaixonou, e afirma que até hoje ainda aprende coisas novas. “A vida é um eterno aprendizado. Eu me sinto ainda muito aquém do que quero, principalmente na parte de teoria musical. Ainda tenho muito a aprender. Quero me aprofundar mais no jazz e estou estudando um pouco mais sobre isso”.

 Aos 11 anos, voltou a morar com o pai, em Belo Horizonte. “Meu irmão Alexandre foi quem me aplicou Jimmy Hendrix. Ele trabalhava numa floricultura e a gente subia a serra numa Kombi ouvindo Hendrix, com aquela paisagem maravilhosa. Depois foi que uma vizinha, sabendo que eu tocava, me deu um disco do Jimmy Hendrix. Ainda o considero o maior guitarrista, o mais inventivo, o que revolucionou a maneira de tocar guitarra.

Ele e David Gilmore são minhas influências mais fortes”. Também foi o irmão Alexandre quem conseguiu trocar um quadro pintado pelo pai pela primeira guitarra “decente” de Haroldinho: uma Gianinni.

Entre os 13 e 14 anos, de volta à casa da mãe, Haroldinho foi convidado para participar de uma das primeiras bandas de rock de Brasília, a “Mel da Terra”. Foi quando começou a perceber que essa seria a sua profissão. Foi também a sua primeira experiência profissional, gravando o disco em estúdio e executando solos de guitarra. A gravação foi feita em São Paulo. “Todo mundo muito novinho, gravando um disco. A banda fazia muito sucesso em Brasília. Desde o primeiro show que participei eu já sentia que esse era o meu caminho. Um pouco mais tarde, abandonei a escola, tirei a carteira profissional de músico e nunca mais parei. Gravamos o segundo disco, depois passei a ser músico acompanhante e toquei com vários artistas de Brasília. Sobrevivi só de música até os 30 e poucos anos”.

 
Oficina Blues
Haroldinho conheceu o vocalista da banda Oficina Blues em 1985. “Estava tocando na Universidade de Brasília (UnB) e ele me abordou no final da apresentação, com uma garrafa de uísque na mão. Já estava pra lá de Bagdá, fiquei super mal impressionado, e ele dizendo que era para tocarmos juntos, e que eu era um ‘bluezeiro’ e não sabia. Não dei a menor bola, que cara doido! Nunca mais o vi. Um tempo depois, ele me ligou avisando que já tinha marcado um show pra gente fazer no bar Bom Demais. Esse bar foi onde a Cássia Eller, a Zélia Duncan e outros nomes do rock de Brasília começaram; era um lugar freqüentado pelo público de rock da cidade. E ele disse que ia pra minha casa naquela hora para me mostrar as músicas que tocaríamos no show. Achei ele mais doido ainda. Mas ele chegou lá em casa com um amplificador e um baixo, mostrou-me algumas músicas e fiquei impressionado com a voz dele, muito bonita, e nós fizemos esse primeiro show meio na loucura. Ficamos muito amigos, sou admirador do talento dele, como cantor e, posteriormente, como compositor, e ele me inseriu nessa coisa do Blues. Eu me apaixonei pelo estilo”.

O Oficina Blues começou ofi cialmente nos anos 90, sob esse nome. Até então, eram apresentações e trabalhos de Haroldinho e Bemol, além de outros músicos. O grupo teve diversas formações: no início, eram Haroldinho, Bemol e Gustavo Vasconcelos. Ficaram dois anos tocando no “Bom Demais”, com casa lotada todas as sextas e sábados. Depois entrou Remy Portilho, que faz parte até hoje, e saíram Bemol e Haroldinho, que foram morar no Rio de Janeiro. Entraram Clévis Nunes e Pedro Martins. Nessa época, a banda atingiu seu maior sucesso, gravando um disco ao vivo em Brasília. Após esse período, Haroldinho e Bemol voltaram para Brasília e entraram novamente na banda. A formação atual conta com Bemol nos vocais, Haroldinho na guitarra, Remy Portilho nos teclados e Pedro Martins no baixo, além do baterista, que no momento está sendo defi nido. “Um dos diferenciais do Ofi cina Blues é trabalhar com composições próprias e letras em português, algo pouco comum para bandas que optam pelo blues. O mais corriqueiro é ficar apenas no cover e até mesmo compor em inglês”. De lá para cá foram inúmeros shows e três cd’s: “Oficina Blues: Live”, só com músicas de “bluezeiros” tradicionais; “Up Blues”, com algumas canções do Clévis; e “Ao vivo no Gate’s Pub”, com composições próprias da banda.
 
Trabalhos solo
O primeiro disco solo de Haroldinho Mattos foi gravado em 1995, quando ele e Bemol moravam no Rio de Janeiro. Foi Gustavo Vasconcelos, hoje da GRV, quem fez o projeto para uma empresa patrocinar. “O dono de uma ofi cina de carros emprestou um espaço para eu e Bemol tocarmos.
O filho dele, o Fernandinho, apareceu por lá um dia e estávamos tocando algumas músicas minhas. Ele ficou empolgado e disse para fazermos um projetinho para gravarmos um cd. O Gustavo fez o projeto, e a Autecar patrocinou. A Washburn, que me cedia as guitarras, também ajudou e um pouco saiu do meu próprio bolso. Foram gravados 1.000 cds. A distribuição foi muito fraca, praticamente não houve. A repercussão foi até muito boa, fi quei contente, porque já tinha construído uma carreira sólida em Brasília. Esse disco consolidou meu nome. As pessoas iam ao show e compravam o disco”.

Foram dez anos entre esse cd e o segundo, chamado “Pro Espaço”, lançado pela gravadora GRV.

Brasília
“Gosto de sossego. Tentei sair de Brasília algumas vezes e não deu certo. A qualidade de vida que consegui aqui não me faz ter vontade de ir para São Paulo ou Rio de Janeiro, onde estão as grandes gravadoras. Construí minha carreira aqui mesmo, tenho um público aqui que acompanha meu trabalho e o do Oficina Blues. Meu sonho é mostrar Brasília como uma cidade independente; ainda é uma cidade nova, mas com um enorme potencial para isso. O sonho é poder morar aqui e ir tocar nos outros lugares, exportar o trabalho. É nisso que passo meu tempo ocupado, trabalho nisso. Não tenho mais pressa; já fi z 41 anos, não tenho essa agonia. Já sofri essa pressão, as pessoas falavam: ‘vai para Plutão, para Marte, para os EUA. O que você está fazendo aqui?’ Mas fiz uma opção de não perder minha alegria de viver, um estilo de vida que é perfeitamente compatível com a construção da minha carreira. O público que tenho aqui é maravilhoso, onde vou tocar as pessoas comparecem, me enchem de incentivo, e sou muito grato a eles por esse retorno.”

Apesar de ter sido um celeiro de grandes bandas de rock nos anos 80 e 90, Brasília pode ser definida hoje como uma exportadora de grandes músicos. “Tem algumas bandas de rock legais tocando por aqui, mas elas não estão fazendo sucesso em outros locais por algum motivo que não sei definir. Não é mais como foi nos anos 80. Não quero cometer a injustiça de dizer que não existem boas bandas de rock em Brasília hoje, mas não creio que veremos agora o que assistimos nos anos 80 e 90”. Haroldinho aponta a excelente qualidade dos músicos da cidade como o fator determinante para que muitos deles viajem o Brasil, tocando com Maria Betânia, Gal Costa, Milton Nascimento, Ivan Lins, entre tantos outros bons
artistas de MPB.

Guitarrista, luthier e ecologista

A partir dos 33 anos de idade, surgiu uma nova profissão: a luthieria. Haroldinho já consertava seus próprios instrumentos e gostava muito dessa atividade, mas nunca tinha pensado nisso como uma atividade profissional. Ele foi convidado a trabalhar numa importadora chamada Washburn, que trazia para o Brasil as guitarras dessa marca. “Lá eu tive uma atividade intensa nessa área, com pequenos reparos, consertos, até construir minha primeira guitarra. Seis anos depois de trabalhar nessa empresa e na Condor, hoje Condortech, eu comecei a construir minhas guitarras e a tocar com elas nos shows e gravações. Os amigos começaram a se encantar com as guitarras. Aí montei essa lojinha e saí das empresas”.
 
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Haroldinho em seu ateliê

A primeira guitarra que vendeu foi para um professor da Escola de Música da UnB, que deixou no ateliê a guitarra para um conserto, levando emprestada uma guitarra feita por Haroldinho. “Ela nem estava à venda, era minha mesmo. Ele não quis mais devolver. E tanto insistiu que acabei vendendo”.

Essa guitarra vendida acabou divulgando muito o trabalho, e hoje as guitarras HM, sua marca, são conhecidas nacionalmente.
 
 A lutheria é um trabalho totalmente artesanal. Haroldinho trabalha em parceria com a Ong Preserve Amazônia, utilizando 100% de madeira brasileira, que não esteja em extinção e tenha manejo sustentável, na confecção das guitarras. A qualidade do som dos instrumentos é surpreendente. “Uma parte do material utilizado é importado, não tem como fugir disso, mas a madeira é brasileira. Procuro trabalhar com madeiras que o Ibama já pesquisou, que substituem perfeitamente o mogno ou o jacarandá, e que venham de manejo sustentável”. Há seis meses uma das guitarras foi levada para Los Angeles, justamente para apresentar a alguns músicos as possibilidades de um instrumento feito com material alternativo. “Está passando da hora de cada um começar a se preocupar em proteger o planeta da maneira que pode. Se podemos fazer uma guitarra sem acabar com o mogno, por que insistir nisso? E se acabarmos com o meio ambiente, quem tocará guitarra daqui há alguns anos? Cada profissional em sua atividade deve refl etir sobre a relevância de seu trabalho se o mundo ficar sem ar para respirar. Ou cuidamos disso, ou todo trabalho será em vão”.

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Guitarra HM assinada por BB King quando Haroldinho tocou na abertura de seu show, juntamente com outros músicos da cidade, na banda Brasília All Stars Blues, criada exclusivamente para o evento.
 
Como luthier, Haroldinho fabrica as guitarras sob encomenda para músicos com alguma experiência. “Para iniciantes, há excelentes guitarras com preços mais acessíveis no mercado. Uma guitarra exclusiva não tem um custo atraente para iniciantes, até porque o músico iniciante não conhece suas necessidades, não tem como definir os pontos mais importantes que a guitarra deve ter para atendê-lo”. Haroldinho busca confeccionar poucas guitarras por ano, para trabalhar em cada projeto com exclusividade.
 
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